O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados teve um dos anos mais tumultuados da sua história em 2019. É que o clima de polarização política vivido pelo Brasil ampliou as discussões entre os deputados e, consequentemente, o número de processos levados ao conselho que tem como missão preservar a ética e o decoro parlamentar.
Foram ao todo 21 representações por quebra de decoro parlamentar, das quais 13 ainda estão em andamento e visam, sobretudo, deputados do PSL. Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por sinal, foi o campeão de representações: tem três processos em aberto, dois por conta da declaração em que sugeriu a volta do AI-5 e um devido à briga travada com Joice Hasselmann (PSL-SP) no auge da crise do PSL.
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O número de processos apresentados em 2019 é, portanto, o maior dos últimos 12 anos e o terceiro mais alto da história do Conselho de Ética da Câmara. É quase o mesmo volume registrado em 2005, quando o escândalo do Mensalão estourou e gerou processos contra 23 deputados, inclusive Roberto Jefferson, José Dirceu e Pedro Corrêa, que tiveram o mandato cassado. Além disso, só perde para as representações decorrentes da Máfia das Ambulâncias, que processou quase 60 deputados que desviavam recursos públicos através da compra de ambulâncias, os chamados sanguessugas.
Veja a evolução do número de representações recebidas pelo Conselho de Ética da Câmara desde 2002, quando o colegiado foi criado:
“Foi um ano de recorde de representações”, admite o presidente do Conselho de Ética, o deputado Juscelino Filho (DEM-MA), que credita essa marca ao saldo das eleições de 2018. “A Câmara sofreu uma renovação muito grande e houve uma inversão no governo, que saiu da esquerda para a direita. Por isso, muitos parlamentares estavam com o ânimo à flor da pele. Houve muitos debates intensos, acirrados. E, consequentemente, muitas representações por excesso dos parlamentares dentro e fora da Casa”, avaliou.
“Esse número reflete duas tendências que vêm se desenhando na política brasileira: a judicialização política e a polarização política. O Conselho de Ética deixou de ser um ambiente de checagem técnica de condutas não esperadas de parlamentares para passar a ser um ambiente de politização e judicialização de ações contra quem pensa diferente ou mesmo quando há uma ruptura política dentro dos partidos, porque os políticos estão cada vez mais utilizando essa lógica de judicialização para gerar um desgaste e um custo político a seus adversários. Eles procuram formas de desgastar a imagem pública de seus concorrentes através de mecanismos como esse, que rapidamente viralizam nas redes sociais”, acrescenta o professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Felipe Nunes, que também é diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa.
São tendências que ficam muito claras quando se analisam os processos que foram apresentados ao longo deste ano no Conselho de Ética da Câmara. É que a maior parte das representações versava contra deputados de partidos da esquerda como o PT e o Psol e contra os deputados de direita do PSL. Sobre o PSL, contudo, também pesou uma questão extra: a crise interna que rachou o partido entre bolsonaristas e bivaristas. Tanto que a maior parte dos deputados do PSL que respondem a alguma representação no Conselho de Ética foram processados pelo próprio PSL.
“Neste ano, o Conselho teve mais movimentação porque foi um ano mais tenso. Um ano em que o PSL, principalmente, nessa briga interna, teve muitos novatos se exaltando”, reconheceu o vice-líder do PSL na Câmara, deputado Bibo Nunes (RS), que responde a um desses processos, mas diz não temer o resultado da representação. “Não há nada fundamentado contra mim”, alegou.
Crise no PSL
Das 21 representações protocoladas neste ano no Conselho de Ética, 13 ainda estão em andamento e só serão concluídas no próximo ano. Uma delas é contra o deputado André Janones (Avante-MG) e todas as outras 12 contra deputados do PSL – deputados da ala bolsonarista do partido, que prometem migrar para o Aliança pelo Brasil e foram processados pelo próprio PSL ou por partidos de oposição.
Além de Eduardo Bolsonaro, que tem três representações, foram processados os seguintes deputados do PSL: Carla Zambelli (SP), Filipe Barros (RJ), Carlos Jordy (RJ), Coronel Tadeu (SP), Bibo Nunes (RS), Daniel Silveira (RJ) e Alê Silva (MG).
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Carla Zambelli e Filipe Barros respondem por dois processos decorrentes da crise interna do PSL. Carlos Jordy e Coronel Tadeu também receberam duas representações, mas já tiveram um dos processos arquivados e agora respondem a apenas uma representação, como os demais representados. A representação do Coronel Tadeu, contudo, difere das demais, porque diz respeito ao episódio em que o deputado quebrou a placa do artista Latuff que fazia parte da exposição sobre o genocídio negro na Câmara.
Carla Zambelli, por sua vez, minimiza a situação. “Eu tenho duas representações por quebra de decoro por coisas que eu considero ridículas, que foram colocadas na internet e são infinitamente menos piores do que as que já ouvi no ano todo de outros parlamentares sem apresentar queixa nenhuma. Acho que esse excesso de demanda é por excesso de ‘mimimi’. É querer esticar a corda que já estava esticada e querer intimidar as pessoas de primeiro mandato, como eu, o Jordy, o Filipe Barros e o Coronel Tadeu”, afirmou a deputada, que responde a dois processos que pedem a cassação do seu mandato por conta das discussões travadas em meio à crise do PSL, mas diz não temer as acusações.
Outros processos
Além dos 13 processos que estão em andamento, outras oito representações passaram pelo Conselho de Ética em 2019. Além das duas que foram arquivadas e pesavam contra Carlos Jordy e Coronel Tadeu, foram arquivados processos contra os deputados de oposição Glauber Braga (Psol-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS). Além disso, houve uma representação contra o deputado José Medeiros (Podemos-MT) que foi arquivada, mas rendeu uma censura verbal ao parlamentar. E uma contra Edmilson Rodrigues (Psol-PA), que foi retirada pelo próprio autor da representação, o PSL.
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O único processo que não foi arquivado e teve a tramitação concluída foi o que acusava o deputado Boca Aberta (Pros-PR) de quebra de decoro parlamentar por conta do episódio em que ele entrou em um “ambiente hospitalar sem autorização, desrespeitando funcionários, causando desordem e expondo pessoas em rede social”. A representação, que foi apresentada pelo PP, contava com o vídeo desse episódio e rendeu uma suspensão de seis meses a Boca Aberta.
Expectativa para 2020
É só no primeiro semestre de 2020 que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar vai dar continuidade aos 13 processos que ficaram pendentes neste ano. O presidente do colegiado, deputado Juscelino Filho, acredita, então, que será mais um ano de muita discussão.
“Vai haver muito debate, até por conta do perfil dos parlamentares que foram representados e devem ir lá se defender. Mas o Conselho é bem maduro, tem exercido seu papel com total isenção, independentemente da questão partidária”, afirmou Juscelino, contando os encaminhamentos desses processos serão tomados logo na volta do recesso parlamentar. Afinal, o Conselho de Ética já designou os relatores da maior parte desses processos. E esses relatores têm um prazo para apresentar seus pareceres iniciais, que indicam se a representação deve ser acolhida ou rejeitada.
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Os dois processos que pedem a cassação de Eduardo Bolsonaro por conta do episódio do AI-5, por exemplo, têm como relator Igor Timo (Podemos-MG) – deputado que já criticou a fala do parlamentar do PSL sobre a volta da ditadura militar, mas ponderou que o caso precisa ser analisado com isenção no Conselho de Ética e deve apresentar seu parecer sobre o assunto já no início de fevereiro.
Apesar desse processo estar sendo acompanhado de perto pela oposição e da declaração de Eduardo Bolsonaro ter gerado muitas críticas na sociedade civil, Juscelino Filho não acredita que nem esse, nem nenhum dos outros processos que já estão em andamento levarão à punição mais grave do Conselho de Ética: a cassação do mandato. É possível, portanto, que Eduardo Bolsonaro, que já escapou de outros dois processos no Conselho de Ética em 2017, sofra apenas alguma advertência ou suspensão nesse caso.
“Todos os processos podem render alguma punição. Mas o grau dessa punição varia, pode ir de uma mera advertência até a cassação, e depende da aprovação dos deputados. Então, olhando distante, do papel de quem conduz os trabalhos, acho que os casos que estão postos lá dificilmente vão avançar para a cassação de um parlamentar. Mas é claro que às vezes o parlamentar é representado por uma coisa e, durante o processo, ocorrem outros fatos que podem influenciar essa decisão”, ponderou Juscelino Filho, garantindo que o Conselho vai avaliar todas as representações de acordo com o Código de Ética e o regimento interno da Câmara dos Deputados para decidir se houve ou não quebra do decoro parlamentar.
“Todo excesso faz mal”
Para o professor Felipe Nunes, o alto número de processos que acabam arquivados ou sem uma punição relevante reforça a ideia de que o Conselho de Ética tem sido usado como um objeto de polarização política. É uma situação que pode até enfraquecer o papel do Conselho de Ética e se refletir em processos que fogem dessas brigas políticas, como é o caso de Eduardo Bolsonaro. E que, na opinião do professor, mostra que também se aplica ao Conselho de Ética da Câmara a máxima de que “todo excesso faz mal”.
“Muitos processos são arquivados porque não tratam de uma evidência forte para o Conselho, querem apenas gerar factóides. É um tipo de ação que tem enfraquecido a imagem do Congresso Nacional como um todo porque, ao querer desgastar a imagem de outro parlamentar com processos desnecessários, desgasta-se a imagem do Congresso como um todo. É uma manobra que contribui com a imagem de desconfiança que a população atribui ao Congresso”, opinou o professor da UFMG, que, portanto, espera ver mais embasamento nas discussões políticas de 2020.
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