Jair Pedro Ferreira e Erika Kokay*
Repassando a história do mundo e do Brasil nos últimos 100 anos, não conseguimos identificar crise de similar impacto e com tamanho potencial destrutivo no que diz respeito a seus efeitos sobre a sociedade e a economia. Vamos lá: I Guerra Mundial; crise de 1929; II Guerra Mundial; crise do petróleo de 1973; a sequência de crises financeiras em 1997 e 1998 (Sudeste asiático e Rússia); crise do subprime de 2008; dentre outras não citadas.
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De fato, o que temos no momento é uma situação em que os governos têm que responder rapidamente e de maneira adequada, sob pena de submeter as famílias e empresas a perdas irreparáveis sob diversos aspectos. É o momento de executar políticas públicas que protejam os cidadãos, preservem empregos e empresas e que projetem um horizonte de recuperação viável para a economia.
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Nesse contexto, a intervenção estatal é de fundamental importância para ajustar as ditas “imperfeições de mercado”, garantindo o bem-estar e a justiça social e as demais funções essenciais do Estado.
A história nos mostra que em momentos como esse, a aversão a risco se eleva e os agentes econômicos se retraem. Na crise de 2008, por exemplo, ressaltando que se tratava de uma crise eminentemente financeira/econômica, diversas ações coordenadas foram executadas, algumas das quais tiveram sucesso, e outras, nem tanto.
Um exemplo de insucesso, que está sendo repetido neste momento, foi a ação do Banco Central do Brasil (BC). O BC relaxou a política monetária, liberou compulsórios, etc., e teve como efeito um “empoçamento de liquidez”, onde o dinheiro liberado para os bancos não chegou às empresas.
Naquele momento, as instituições financeiras públicas disponibilizaram linhas de crédito para o enfrentamento da crise, o que amenizou significativamente a retração da economia brasileira em 2008.
Neste momento, somado à repetida e equivocada ação do Banco Central, que ao que parece não aprendeu com a história e provoca novamente o “empoçamento de liquidez”, o Governo também colocou em sua agenda a aquisição de títulos privados pelo BC, uma ação preocupante e de elevado risco para uma instituição sem experiência e tradição neste mercado.
É impressionante o grau de incompetência presente na área econômica deste Governo. Já estamos no buraco e, em vez de criar condições para sairmos do “pibinho”, que será agravado pela situação atual, o Governo continua cavando… parece que quer enterrar a todos.
Indubitavelmente, a hora é de usar, a exemplo de 2008, Caixa, BNDES e demais bancos públicos para fomentar a atividade econômica, garantido crédito barato às empresas para capital de giro e investimento, em especial em setores intensivos em trabalho, como a construção civil, por exemplo. No front econômico, a receita é, basicamente, se inspirar no que foi feito em 2008: crédito de bancos públicos, PAC e Minha Casa Minha Vida (MCMV).
Também é hora de estruturar políticas de renda mínima para a população mais vulnerável, que enfrenta dificuldade de acesso até mesmo aos itens básicos de higiene recomendados para a superação da crise de saúde pública atual.
A oposição no Congresso Nacional defendia uma renda mínima de um salário mínimo. Bolsonaro e Paulo Guedes propuseram uma bolsa de R$ 200, valor irrisório que não era capaz de garantir dignidade mínima para a população mais vulnerável da 9ª economia mundial.
Após intensos debates e muito esforço, o Congresso Nacional aprovou um auxílio de R$ 600 reais, podendo chegar a R$ 1,2 mil por família ou nos casos de lares monoparentais dirigidos por mulheres.
Sem sombra de dúvida, as medidas econômicas até aqui adotadas pelo governo para “mitigar” a crise econômica associada à pandemia dividiram-se em duas vertentes. Na primeira, foi notória a ação da equipe econômica em distribuir a jato dinheiro dos bancos públicos na compra de carteiras podres dos pequenos bancos, chegando a 30 bilhões e refinanciar grandes empresas, ligadas aos grandes bancos por dívida ou capital. Uma parcela bem menor será emprestada para pequenas e médias empresas.
Na segunda vertente, pudemos observar uma espécie aprofundamento da já precária legislação trabalhista para, na prática, reduzir a jornada e ao mesmo tempo suprimir os salários dos trabalhadores, teoricamente, sem demiti-los.
É urgente que a política distributiva ou de manutenção de renda adotada chegue o mais brevemente aos que mais necessitam, pois visam garantir o emprego e a renda em um momento que as populações mais carentes e sem poupança precisam desesperadamente de ambos. Em outras palavras: ao propor inicialmente uma bolsa miséria de R$ 200 e a demora em fazer os recursos chegarem, os ultraliberais estão, mais uma vez, na contramão do mundo (inclusive do mundo de onde vêm sua teoria), e conseguirão somar à crise de saúde pública, em uma crise econômica agravada, com inevitável caos social em poucos meses.
De toda forma, os bancos públicos, em especial a Caixa, serão essenciais para a implementação célere e eficiente dessas políticas. Cai por terra o discurso fraudulento das privatizações: os bancos privados sumiram e só os bancos públicos são convocados para atuarem na linha de frente de combate à crise.
Ainda assim, como sempre, a maior parte do dinheiro será destinada às grandes empresas ligadas aos bancos privados. Por onde anda mesmo aquela tão propalada “responsabilidade social” dos bancos privados neste momento em que todos são chamados a contribuírem no enfrentamento da crise?
Pelo andar da carruagem, torna-se evidente que a equipe de Guedes não está preocupada com a crise econômica ou de saúde pública. A sina dessa gente não é outra senão a de buscar alternativas pouco ou nada republicanas para substituir o agora impossível negócio das privatizações com o novo negócio de “comprar” carteiras de banqueiros amigos ou refinanciar grandes empresas para que não fiquem inadimplentes junto a esses mesmos banqueiros amigos.
Não resta dúvida que, apesar da “negação” da importância das instituições financeiras públicas pelo Governo, cuja pauta tem sido o desmonte e enfraquecimento do setor público, em especial dos bancos federais, estes serão, novamente, a tábua de salvação e a receita a ser seguida.
Não é hora de ter vergonha de utilizar políticas keynesianas, até então rechaçadas pelos pseudoliberais de plantão, defensores do Estado mínimo para a população.
Pouco respeitadores da importância das instituições no geral, resta saber se, ao final, vão reconhecer a relevância histórica da existência dos bancos públicos.
Nada mais prudente que abrir espaço para que instituições financeiras centenárias sejam parceiras na aplicação do antídoto.
*Jair Pedro Ferreira é presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae)
Erika Kokay é deputada Federal (PT-DF)
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