por Zenaide Maia (PSD-RN)*
Entrei com um projeto de lei (PL 166/2024) no Senado obrigando empresas de alimentos a informar quantidade de agrotóxicos usados nos produtos que toda a população brasileira compra e consome sem nem saber o que está comendo e bebendo. Todo consumidor tem direto a essa informação. A transparência precisa ser obrigatória e obedece ao direito das pessoas à saúde, consagrado na Constituição Federal.
Estou apresentando esta proposta em consonância com meu posicionamento contra o recente afrouxamento de controle governamental sobre uso de pesticidas no chamado PL do Veneno, que foi aprovado no Senado com um único voto contrário: o meu. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vetou o trecho que eu denunciei como o principal retrocesso do pacote do veneno. O Brasil consome anualmente mais de 300 mil toneladas de produtos que têm agrotóxicos em suas composições, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste usam 70% desse montante. As culturas que mais usam agrotóxicos são a soja, o milho, frutas cítricas e cana de açúcar.
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Especificamente, o PL 166/2024 obriga fornecedores de produtos alimentares a informar ao consumidor a relação de insumos agrotóxicos, defensivos agrícolas, herbicidas, agentes químicos e demais substâncias químicas para o controle de pragas ou aumento da produtividade usados na cadeia produtiva desses alimentos. A proposta salienta que, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), esses insumos provocam doenças graves e aborto.
Para fins de cumprimento da regra que proponho, o fornecedor deverá:
– Veicular as informações de agrotóxicos de forma ostensiva e adequada nos rótulos dos produtos alimentares oferecidos ao consumidor, inclusive por meio de símbolo indicativo;
– Disponibilizar essas informações, no mínimo, por meio de: a) sítio eletrônico, acessível por meio de Código QR ou mecanismo similar disponibilizado no rótulo do produto, de modo a facilitar a sua consulta; e b) serviço de atendimento ao consumidor por telefone, informado no rótulo do produto;
– Caso não seja possível discriminar com precisão as informações do uso desses insumos nocivos à saúde, o fornecedor deverá indicar as substâncias usualmente utilizadas na cadeia produtiva de produtos alimentares semelhantes. No caso de produtos alimentares não embalados ou vendidos a granel, as informações deverão ser fornecidas ao consumidor por escrito em documento apartado.
É importante ressaltar que, segundo o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990), “fornecedor” é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Como médica, mãe e parlamentar, defendo que os riscos relacionados a produtos e serviços comercializados devem ser adequadamente informados à população, de modo a possibilitar sua tomada de decisão consciente. A legislação ainda carece de uma solução mais adequada para o tema, de modo a aumentar a transparência no fornecimento de produtos alimentares. Esse projeto de lei, portanto, é mais uma iniciativa legislativa nossa de promoção da saúde pública.
A matéria começa a tramitar na Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA); se aprovada, segue para decisão terminativa da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) da Casa.
Doenças
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os agrotóxicos são usados para matar insetos, larvas, fungos e carrapatos que atacam as plantações, mas podem acabar contaminando o solo, a água, o ar e alimentos, causando milhares de intoxicações anualmente. Ainda segundo o INCA, estudos apontam que a exposição a agrotóxicos pode causar várias doenças, aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade de hormônios da tireoide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças.
As empresas de alimentos precisam informar a quantidade de agrotóxicos usados nos produtos que o povo brasileiro come diariamente, muitas vezes comprando-os ‘no escuro’ e sem direito de escolha. Minha proposta aperfeiçoa mecanismos de proteção do Código de Defesa do Consumidor para as empresas divulgarem, de forma clara e visível, informações sobre as substâncias químicas de controle de pragas usadas em todas as etapas de produção dos produtos alimentares comercializados em todo o território nacional. É urgente a necessidade de informamos as pessoas sobre o quê, de fato, estão ingerindo, e os potenciais riscos à saúde.
Direito à saúde
O Código de Defesa do Consumidor determina que “o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”, mas pretendo, com esta proposta de lei, ultrapassar esse termo mais genérico da legislação consumerista ao disciplinar alguns dos direitos mais básicos do consumidor, em especial o direito à informação e à saúde.
Para o adequado tratamento da questão, as medidas de garantia dos direitos do consumidor devem ser instituídas de modo razoável e proporcional, defendo no projeto. Se, por um lado, é necessário reforçar a legislação para garantir o direito à tomada de decisão consciente pelo consumidor, por outro, a lei deve levar em consideração as dificuldades técnicas e operacionais de se identificar todas as substâncias envolvidas no processo de produção do alimento e de se fazer constar essa listagem nas embalagens.
Nesse sentido, a disciplina trazida pelo meu projeto leva em consideração que os interesses de consumidores e produtores de alimentos podem ser convergentes. Afinal de contas, a redução de assimetria de informação e a garantia de direitos básicos do consumidor são essenciais para que o mercado de produtos alimentares seja mais eficiente e próspero.
Reforma tributária
O projeto de lei reforça minha militância pró-saúde também durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional em 2023. Apresentei emendas proibindo isenções fiscais a produtos nocivos à saúde – como entendo serem agrotóxicos, bebidas alcoólicas e cigarro.
Uma emenda minha deixava expresso na PEC que o Imposto Especial, denominado Imposto Seletivo (IS), utilizado para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, não poderia ter incentivos ou benefícios. Militando em defesa da saúde pública, eu pretendia evitar riscos ao bem-estar da população, visto que a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados abria brechas para favorecer essa cadeia econômica de forte influência.
Naquele momento, alertei o seguinte: inverteu-se, na Câmara, a lógica que promove a saúde e protege o meio ambiente. Ora, os produtos com tributação seletiva não podem receber qualquer forma de benefício fiscal nem de tratamento diferenciado que os privilegie. A tributação onerosa e pesada precisa existir para que, com o aumento do preço, esses produtos prejudiciais à saúde da população e que contribuem para doenças fiquem mais caros e menos acessíveis ao consumidor final e, portanto, haja redução do consumo. Daí a necessidade de vedar expressamente, na Constituição, a concessão de benefício fiscal aos produtos nocivos à saúde tributados pelo Imposto Seletivo.
Insumos tóxicos sem isenção
Outra emenda minha na PEC da Reforma Tributária proibia qualquer benefício fiscal para insumos e produtos agropecuários classificados como tóxicos. Além disso, a emenda exigia que, para fazer jus a alíquotas reduzidas de impostos, os alimentos destinados ao consumo humano deveriam atender ao critério de “essencialidade”, norteador da regulamentação posterior correspondente quanto a alimentos de consumo humano. Nem todo alimento destinado ao consumo humano é essencial à vida, e há insumos agropecuários extremamente tóxicos à saúde humana e ao meio ambiente.
Também apresentei, no debate durante a votação, este dado: o Imposto Seletivo incidiria sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Sigo considerando necessário que o Estado barre concessões de incentivos e benefícios relativamente a bens como cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas e alimentos com alto teor de açúcar, além dos agrotóxicos, combustíveis fósseis e defensivos agrícolas, que hoje são beneficiados por uma grande estrutura de benefícios fiscais decorrentes das renúncias de receitas públicas.
Estimativa da Receita Federal mostrou que, somente em 2019, o Brasil deixou de arrecadar mais de R$ 1,7 bilhão em subsídios para a compra de agrotóxicos. A PEC vinda da Câmara estabelecia a redução de alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços) em 60% para insumos agropecuários, o que incluía os produtos agrotóxicos que poderiam acabar sendo favorecidos com os benefícios fiscais. É preciso que haja previsão expressa de exclusão de agrotóxicos considerados altamente tóxicos. As emendas não foram acatadas, mas seguimos nessa luta.
* Zenaide Maia (PSD-RN) é senadora da República e procuradora especial da mulher do Senado Federal
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