O conceito de rede é essencial para a análise de atividades criminosas praticada por grupos de criminosos ou pelo crime organizado. Ela se constitui pelo conjunto de atores sociais interrelacionados de alguma forma. Tradicionalmente as organizações criminosas possuem uma dinâmica interna caracterizada por uma estrutura mais flexível, descentralizada e horizontal (Von Lampe 2003).
A Lei n. 12.850/13 define em seu parágrafo primeiro as organizações criminosas como “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Ainda sobre o tema vigora no Brasil a Convenção de Palermo (Decreto n. 5015/2004).
A definição do crime organizado nos ajuda a demarcar o fenômeno e delimitar as fronteiras conceituais entre o crime organizado e outros comportamentos criminosos semelhantes.
A análise das redes sociais constitui método de estudo das relações sociais baseada na sociometria. A sociometria possui por objeto a investigação sobre a organização dos grupos sociais e a posição que os sujeitos ocupam dentro dela. Possui por precursor o psicólogo Jacob Levy Moreno (1892), idealizador do sociograma como ferramenta metodológica para medir as relações dos grupos sociais, tendo sido empregado em Sing Sing e a Escola de Hudson para mulheres.
O desenvolvimento de programas informáticos tem possibilitado na atualidade a análise de redes sociais como forma de medição e análise de estruturas sociais que emergem das relações entre atores sociais. Por meio da combinação do enfoque individual e grupal podemos identificar padrões de relacionamentos (grupal), estruturas subjacentes e subgrupos e, ainda, a identificação dos sujeitos chaves na organização da rede (individual).
No campo da delinquência, o estudo das redes é entendido como técnica de estudo das redes criminais se realiza por meio de estudos empíricos, favorecendo novas formas de apreensão e compreensão das redes. Framis (2015) aponta a necessidade de identificar na estrutura interna da rede criminosa os subgrupos que ela integra, os membros com maior poder, as pessoas mais necessárias para o resto do grupo e os atores que devem ser neutralizados para desmantelar com maior rapidez a rede ou as suas capacidades para o futuro.
As organizações criminais possuem como traço comum a vocação de permanecerem na clandestinidade (redes encobertas ou covert networks). Os avanços tecnológicos, a globalização e, a facilidade de comunicação, promoveram mudanças na forma e estrutura das organizações criminosas, dando-se azo a criação de organizações com estrutura reticular mais fluidas e flexíveis (Van de Bunt, 2003) e, portanto, com grande capacidade de resiliência.
A investigação de organizações criminosas reticulares perpassa pela identificação dos atores (sujeitos ou instituições interligadas de algum modo) e relações (edges) – conexões entre os pontos de conexão que caracterizam qualquer tipo de relação social. Wassemar e Faust (2009) apresentam como tipologias objeto de investigação: a) a avaliação de uma pessoa pela outra; b) transferência de recursos; c) associação; d) interação comportamental; e) movimento entre lugares e status; f) conexão física entre dois pontos; g) relações formais; h) relações biológicas.
A densidade da rede se mede pelo número de relações existentes (viés quantitativo) e coesão (viés qualitativo) cujo estudo deve ser aliado ao grupo de centralização da rede (descentralizada – formato círculo; centralizada – formato estrela). Partindo dessas premissas parte-se para a identificação do líder (medido pela quantidade de conexões que possui dentro da rede), o bróker (elemento essencial para o aporte de informações, conexões, recursos e necessidades) – elemento essencial para a subsistência da rede, ocupando posição mais seguro e discreta que o ator central.
A investigação criminal das organizações reticulares possui os seguintes ângulos: a) descritivo – compreende as mudanças estruturais na rede ao longo do tempo; b) estatísticas -analisa as razões e causas das mudanças; c) simulação – partem de uma perspectiva de multiagência. Realizam simulações incluindo informações quantitativas e qualitativas das organizações ao longo do tempo, podendo-se fazer um juízo preditivo a respeito a evolução das redes. Por exemplo, em uma rede de tráfico de cocaína o uso da metodologia preditiva permite o seu desmantelamento de forma mais precoce. Portanto, a capacidade de antecipação da análise das redes sociais permite orientar a investigação aos atores chaves desde o início da investigação.
Da análise supra conclui-se que a polícia judiciária deve se adaptar às novas formas de investigação, aprimorando os dados que hoje possui sobre as organizações reticulares. Os dados indicam as relações e conexões entre os indivíduos e atores. Dentre as fontes de dados estão, por exemplo, as interceptações telefônicas, diligências e documentos judiciais. Muitas vezes é necessário o recurso a fontes abertas ou veículos de imprensa como fonte de dados, ou ainda, aos informes das agências internacionais que indicam novos mercados emergentes do crime organizado e seus locais de desenvolvimento e trânsito. Uma das técnicas mais eficazes de combate à criminalidade organizada é a do “seguimento do dinheiro”, eis que o benefício econômico é a razão da sua existência. Isso poderia ser aliado a normas que obriguem as empresas a cada vez mais transparentes na economia legal, impedindo a sua utilização por organizações criminosas para a lavagem de dinheiro de fundos gerados ilicitamente.
As organizações criminosas se incluem dentro da tipologia da delinquência complexa ou não convencional (Salinas e Spada, 2015). O crime organizado ocupa dimensões internacionais cada vez mais importantes, fator indicativo de uma visão otimista quando a sua redução e combate efetivo em breve. A abordagem multidisciplinar do fenômeno (economia, psicologia, sociologia e criminologia) sobre o funcionamento do crime organizado, os fatores que facilitam o seu desenvolvimento e crescimento, as condições em que o grupo delitivo se internacionaliza. O trabalho alinhado da sociedade civil (v.g, universidades) com as forças de segurança pública é ao mesmo tempo desafiador e enriquecedor na criação de novas formas de prevenção e repressão à criminalidade organizada.
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