*Rodrigo Augusto Prando
Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso, nascida na cidade de Araraquara, em 1930; faleceu, em São Paulo, 2008. Doutora Ruth Cardoso, antropóloga de escola, professora universitária, pesquisadora, feminista, ativista no Terceiro Setor, primeira-dama, esposa de Fernando Henrique Cardoso e mãe de Paulo, Luciana e Beatriz. No último fim de semana, em 19 de setembro, Ruth Cardoso teria completado 90 anos.
Desde a semana passada, a Fundação Fernando Henrique Cardoso desenvolve eventos com o objetivo de homenagear a trajetória de Ruth Cardoso e sua memória. Mesmo os adversários políticos de Fernando Henrique e, hoje em dia, os haters nas redes sociais, se contiveram e, no que diz respeito à Ruth, as várias manifestações, foram, em larga medida, de elogios, de saudade e o reconhecimento de sua importância. Muitos rememoram afirmando que “Dona Ruth é que foi uma grande primeira-dama”. Ela nunca gostou dessa história de primeira-dama, pois tinha sua vida, sua carreira e nunca quis se colocar no papel comum das primeiras-damas, cujas ações eram, quase sempre, de caráter assistencialista.
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Era, segundo os mais próximos, uma pessoa que ouvia com atenção e que, mesmo com posições fortes em relação a temas e problemas, tinha a suavidade necessária ao expor seu ponto de vista de forma democrática. Sua carreira acadêmica deu-se no campo da Antropologia, lidando com temas acerca dos migrantes japoneses; questões metodológicas ligadas à pesquisa de Antropologia; cultura e subcultura; estudo das favelas; movimentos sociais, Estado e democracia; mulheres, direitos e democracia; mídia e juventude e pobreza, políticas sociais e Terceiro Setor.
Durante o Governo FHC, ela foi responsável pela articulação – em 1995 – do Programa Comunidade Solidária, cuja expressão foi de fundamental importância para a emergência da temática das ações e gestão das organizações do Terceiro Setor, como um setor de parcerias da sociedade civil, ONGs, fundações e associações com o Estado e a iniciativa privada, buscando problematizar e resolver inúmeros problemas sociais que, no Brasil, abundam nas mais diversas regiões, como, por exemplo, a pobreza e a exclusão social.
Não resta dúvida que a experiência exitosa da Comunidade Solidária, foi, em grande parte, expressão da conjugação ativa da visão antropológica de Ruth, sua capacidade de implantação de ideias e como articuladora de uma equipe de competentes colaboradores. Os resultados – quantitativos e qualitativos – da Comunidade Solidária estão disponíveis em centenas de relatórios e, ainda, artigos acadêmicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Se comparado ao que vivenciamos hoje, não há como não se questionar o porquê de regredirmos tanto e o tamanho do desanimo que Ruth sentiria e que, certamente, seria a força motriz de novas ações.
Caso o leitor e a leitora tenham interesse na vida, obra e ações de Ruth Cardoso, sugiro a leitura de três livros. O primeiro, chama-se “Livro de Ruth” (Editoras: FECAP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, de 2009), de autoria de Margarida Cintra Godinho, cientista social uspiana, que foi aluna de Ruth e de Fernando Henrique Cardoso, tendo trabalhado na Comunidade Solidária. A segunda obra é de Inácio de Loyola Brandão, “Ruth Cardoso: fragmentos de uma vida” (Editora Globo, 2010), sendo Brandão araraquarense e, hoje, imortal da Academia Brasileira de Letras. Por fim, uma obra acadêmica, “Ruth Cardoso: obra reunida” (Editora Mameluco, 2011), organizada por Teresa Pires do Rio Caldeira.
Esse rápido artigo é escrito no sentido de quem é profundo admirador de Ruth Cardoso e, por isso, incapaz de apresentar figura cuja dimensão é, para mim, agigantada. Há anos, aqui em São Paulo, encontrei Ruth, sem querer, num evento sobre Terceiro Setor. Havia, no auditório, uma cadeira vaga e ali me sentei. Quando vi, do meu lado, estava ela, com caderninho, anotando tudo. Olhei e a cumprimentei dizendo “boa tarde, professora!”. Ela respondeu e depois conversamos sobre Araraquara, a Unesp e sobre as Ciências Sociais. Ao final, já nos despedindo, ela perguntou qual a investigação que desenvolvia no meu doutorado; disse que era um tema que ela sabia muito pouco: a trajetória intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso. Ela sorriu e disse ser um bom tema, mas que eu deveria estudar mais Antropologia.
*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.
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Comunista Caviar