Rodrigo Spada* e Juracy Soares**
O diagnóstico da situação tributária brasileira parece simples e consensual. Não há especialista ou empresário que discorde que nosso sistema é um pandemônio. Diante disso, só há uma saída óbvia: precisamos de uma reforma tributária. Até aqui, todos estão de acordo. A reforma, em tese, não tem opositores; na prática, entretanto, ela enfrenta resistências há décadas.
As justificativas para a manutenção de tamanha desorganização tributária são inúmeras e costumam se amparar em uma visão pouco republicana do sistema tributário: “Precisamos mudar! Desde que não mexam com a minha situação de privilégio fiscal, conquistada e mantida a duras penas!”
Acontece que enquanto alguns setores com influência política se beneficiam, o resto do país padece. Esse pandemônio com milhares de regras publicadas anualmente afasta grupos econômicos internacionais do Brasil e nos faz pensar em como esse cenário poderia ser diametralmente oposto se as condições para quem deseja gerar emprego e renda no país fossem realmente favoráveis. E, por favoráveis, diga-se, sem favorecimentos a determinados grupos, por meio de privilégios fiscais escusos.
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Em um sistema que exige uma verdadeira tese de identificação ou classificação na NCM para definir a alíquota tributária de um único item, o que podemos dizer aos empresários que desejam instalar seus negócios por aqui? Para calcular a alíquota de um pãozinho, uma pessoa tem que ler centenas de artigos, alíneas, incisos e parágrafos. Se o pão for do tipo francês tem tributação ‘X’; se carioquinha ‘Y’; mas, se ao ficarem velhos e secos forem moídos para virar farinha de rosca, a tributação é ‘Z’.
A confusão é tanta que ninguém no Brasil é capaz de afirmar exatamente quanto determinado produto carrega de tributos. Isso ficou claro quando a Lei No. 12.741/2012 passou a exigir, a partir de junho de 2013 – no documento fiscal – o valor aproximado de tributos incidentes no preço de venda. Repare no termo ‘aproximado’, exatamente porque o legislador – alertado da impossibilidade – optou por flexibilizar a exigência.
Acontece que essa visão patrimonialista e arcaica do sistema tributário está em desacordo com a economia atual. Em 2021, matérias como ‘A Fuga das Multinacionais’, publicada pela Revista Istoé, já apontavam para a desordem tributária, que compõe o chamado ‘Custo Brasil’ e para a fragilidade do ambiente de negócios. Nos últimos sete anos, o país assistiu à debandada de multinacionais.
Mesmo grandes companhias que já gozavam dos chamados ‘Benefícios Fiscais’ como a Ford (em São Paulo, na Bahia e no Ceará) e a Sony (no Amazonas, na Zona Franca de Manaus), por exemplo, decidiram encerrar suas atividades aqui, optando por intensificar investimentos em outros países, como foi o caso da Ford, que fez a escolha pela Argentina.
Esse êxodo de corporações atinge o país em diversos flancos. Desde a desindustrialização, passando pela redução da arrecadação tributária, até o aumento do contingente de desempregados, e desequilíbrio na balança do comércio exterior, por qualquer ângulo que se examine o movimento, é algo trágico de se assistir.
Nesta semana, o Brasil tem a oportunidade de avançar no caminho que pode deixar essa triste realidade para trás. A votação da PEC 110 na CCJ do Senado pode dar uma importante chancela a um projeto que tem o poder de evitar morrermos todos abraçados. A proposta, apesar das resistências setoriais que encontra, tem um nível de consenso histórico entre Entes Públicos, academia, setor produtivo, representantes do Fisco e sociedade civil. Esta rara oportunidade para construirmos um país mais eficiente, justo e republicano não pode ser desperdiçada. Não podemos ficar presos ao passado simplesmente para mantermos privilégios ineficientes e injustos a alguns setores econômicos.
*Rodrigo Spada é auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais). É formado em Engenharia de Produção pela UFSCAR, em Direito pela UNESP, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.
**Juracy Soares é auditor fiscal da Receita Estadual do Ceará, diretor executivo da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Ceará (Auditece), doutor em Ciências Jurídicas (UMSA/Arg), mestre em Controladoria pela UFC.
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