*Camila Saldanha Martins e **Jonas Augusto de Freitas
Recentemente ganhou notoriedade na mídia o caso da Deputada Federal Flordelis, acusada de participar no assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo. Além da confusa relação de parentesco de Anderson e Flordelis, veio à tona a posição dela enquanto parlamentar, que teria impedido a polícia de prendê-la preventivamente, reacendendo um debate no âmbito do processo penal: a questão do foro privilegiado.
O artigo 53 da Constituição prevê a inviolabilidade de deputados e senadores, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Além disso, os crimes praticados por estes parlamentares são julgados originariamente perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Por se tratar de uma garantia constitucional, ela só pode ser alterada mediante a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional.
Na última quarta-feira, dia 26 de agosto, o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu um ofício assinado por 27 Senadores de onze partidos políticos diferentes, cobrando a inclusão em pauta da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 333, que visa acabar com o foro privilegiado para autoridades. Segundo o texto em questão, a prerrogativa de função seria mantida apenas para os Presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.
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É importante que se faça uma distinção entre crimes comuns e crimes de responsabilidade. Crimes comuns são aqueles previstos na lei e praticados por qualquer pessoa, como os crimes contra a vida, contra o patrimônio, integridade física, entre outros. Já os crimes de responsabilidade são todos os crimes praticados pelos detentores de cargo ou função pública, desde que no exercício e em razão dela. Assim, o mesmo fato criminoso, a depender das suas circunstâncias, pode ser crime comum ou de responsabilidade, incidindo, então, o foro privilegiado por prerrogativa de função, se for o caso.
De forma diversa do que se pensa comumente, sua intenção não é proteger a pessoa acusada, mas sim o cargo ou mandato eletivo o qual ela ocupa. Nesse sentido, a prerrogativa funcional acompanha o sujeito somente enquanto ele for detentor do cargo ou mandato, cessando a partir do momento em que se encerra o mandato ou cargo.
Daí porque a prerrogativa funcional não se aplica de forma indefinida apenas em razão da existência do cargo. Conforme já decidiu o STF em 2018, os parlamentares só têm a si estendida essa proteção em relação aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e ainda, desde que relacionados às funções desempenhadas.
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No caso específico da deputada, portanto, o foro privilegiado por prerrogativa funcional atrairia seu julgamento para o Supremo Tribunal Federal, por crime comum, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal, caso tivesse alguma relação com o desempenho de suas funções enquanto congressista. Como a possível acusação pela morte de seu marido em nada se relaciona com seu mandato, seu julgamento deverá ocorrer perante a justiça comum de primeiro grau, como qualquer cidadão acusado pelo mesmo delito.
É o que restou decidido pelo STF no julgamento da Ação Penal 937. Segundo voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, a garantia do foro privilegiado por prerrogativa de função está restrita aos crimes relacionados ao exercício funcional, o que não se verifica no caso da morte do pastor Anderson do Carmo.
*Camila Saldanha Martins é professora de Direito Penal e Processo Penal. Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Opet (UNIOPET). Especialista em Direito Penal econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu (IDPEE) e Faculdade de Direito de Coimbra – Portugal. Advogada criminalista.
**Jonas Augusto de Freitas é especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST. Pós graduando em direito administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Advogado criminalista.
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