Pedro Telles *
Estamos enfrentando duas crises civilizatórias simultâneas, que já afetam as formas como vivemos em sociedade: a crise climática, cujo avanço impacta toda a vida na Terra, e uma crise da democracia, sistema de governo que vem sofrendo crescentes ataques ao redor do mundo.
Muito já foi falado sobre essas crises separadamente. Evidências e alertas sobre a crise climática acumulam-se há décadas, e suas consequências já são uma realidade, com eventos extremos como os vistos no Rio Grande do Sul tornando-se cada vez mais comuns. Em relação à crise da democracia, diversos estudos apontam para o crescimento do autoritarismo por todo o mundo, como demonstrado em relatórios anuais da Economist Intelligence Unit e do V-Dem Institute.
Contudo, precisamos prestar mais atenção ao fato de que essas duas crises não são apenas paralelas, como também interconectadas. Além de se reforçarem mutuamente, elas compartilham responsáveis – e só conseguiremos resolver uma delas se também resolvermos a outra.
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A crise climática aprofunda um desafio central para a sustentação de regimes democráticos: a percepção de que a democracia não está entregando ao povo aquilo que deveria. Ao redor do mundo, cresce o número de cidadãos frustrados com a capacidade dos líderes democráticos de resolver problemas. Com essa frustração, cresce o apelo de discursos autoritários que prometem soluções simples (e enganosas) pelo preço da perda de direitos civis e políticos.
A História nos mostra que esse preço é alto demais, e que regimes autoritários não funcionam melhor do que regimes democráticos para atender aos anseios dos cidadãos – mas o apelo desses discursos autoritários continua existindo, e a crise climática coloca lenha na fogueira ao construir uma realidade cada vez mais difícil de governar. Com eventos extremos mais frequentes, numerosos e imprevisíveis, até os governantes mais competentes enfrentarão enormes dificuldades. E, mesmo que não sejam responsáveis por gerar a crise, é sobre eles que recai grande parte do custo político das tragédias.
Ao mesmo tempo, é crucial notar que líderes autoritários têm entre seus principais apoiadores justamente empresários que fizeram suas fortunas – e construíram sua influência – por meio de indústrias que causam o aquecimento global. No Brasil, representantes do agronegócio que desmata e que promove o desmonte da legislação ambiental também financiaram as campanhas de Jair Bolsonaro e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Nos EUA, Trump tem entre seus maiores doadores grandes nomes do petróleo, que vêm financiando extremismo e negacionismo há muito tempo. E a mesma dinâmica é observada em diversos outros países.
Isso não acontece por acaso. Pressionados por uma realidade que exige mudanças drásticas se quisermos evitar o colapso ambiental, esses empresários apelam para a desinformação e o enfraquecimento das instituições como uma forma de ganhar tempo – e dinheiro – postergando qualquer ação efetiva que priorize o interesse público em detrimento dos seus negócios. Assim, seus interesses e estratégias se alinham com os de líderes autoritários, que chegam ao poder e se mantêm lá pelo mesmo caminho.
Dessa forma, enfrentar a crise climática e fortalecer a democracia são tarefas não apenas urgentes, como também interdependentes. Os interesses daqueles que ganham postergando medidas de combate ao aquecimento global estão intrinsecamente alinhados aos daqueles que ganham com o crescimento do autoritarismo. Mais do que isso: esses dois grupos já atuam de forma coordenada, e em grande parte são compostos pelas mesmas pessoas. Precisamos olhar para os dois problemas de forma integrada, e tendo em vista que seus responsáveis já fazem isso há algum tempo.
* Pedro Telles é diretor do Democracy Hub (D-Hub), professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e senior fellow em Equidade Econômica e Social na London School of Economics (LSE).
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