Acabou, nessa quarta-feira (23), a passagem de 904 dias de Ricardo Salles pelo Ministério do Meio Ambiente. Acuado por investigações de crimes ambientais e pela condução da política ambiental no governo de Jair Bolsonaro, Salles entregou seu cargo ao presidente, que escolheu um nome ligado aos ruralistas para seu lugar.
A saída de Salles foi comemorada por indígenas, parlamentares e figuras políticas de diversos espectros do país. Seu pedido de demissão encerra uma das gestões mais controversas de um ministro do Meio Ambiente. Salles atuou contra o que deveria ser prioridade da própria pasta. Abaixo, lembramos alguns desses momentos:
A boiada
Ricardo Salles era secretário do Meio Ambiente em São Paulo, antes de se candidatar, sem sucesso, ao cargo de deputado federal pelo Novo, cujo candidato ao Planalto era João Amôedo. Ligado a movimentos que haviam pedido o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Salles logo se juntou ao gabinete de transição, conquistando a confiança de Bolsonaro.
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O ministro liderou a política ambiental do governo e foi a face pública de uma proposta de desregulamentação das leis de fiscalização e controle ambiental. Desde os primeiros dias de governo, Salles indicava que os grandes temas da agenda ambiental mundial – tais como o aquecimento global e as queimadas na floresta Amazônica – não seriam prioridade da pasta.
Desde o início da sua gestão, Salles se notabilizou por editar portarias e normas infralegais que reduziam o poder de fiscalização dos próprios agentes da sua pasta, a serviço de órgãos como o Ibama e o ICMBio. Em outras frentes, ajudou a enfraquecer normas de proteção de órgãos como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que ele presidia.
Em setembro passado, o ministro promoveu um “revogaço” de normas sobre os limites de áreas de preservação permanente e projetos de irrigação. Assim como em outros ministérios, Salles apoiou a diminuição da participação da sociedade em órgãos consultivos, o que aumentou o controle estatal na tomada de decisões.
Ricardo Salles editou ao menos 120 normas que colocavam em risco a política ambiental brasileira, segundo um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Na famosa reunião ministerial de Bolsonaro em 22 de abril de 2020, Salles resumiu suas intenções: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.”
Queimadas recordes
O país entrou nos anos 2000 com recordes de queimadas na Amazônia, mas conseguiu reduzir as chamas anuais até o governo Temer. Conquista superada, e por muito, nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.
2020 foi o ano em que mais se registraram focos de incêndio no país. Os mais de 197 mil focos indicaram um queima recorde na Amazônia, mas também queimadas sem precedentes no pantanal mato-grossense, que gerou danos irreparáveis ao bioma. Em 2019, as queimadas na Amazônia chegaram a levar a fumaça por todo o continente, fazendo com que os dias em cidades como São Paulo e Porto Alegre ficassem embaçados por conta da fuligem de queimadas a milhares de quilômetros de distância.
A pressão internacional por conta desses incêndios não afetou Salles, que não deixou a pasta. Países que financiam a preservação da Amazônia, caso da Noruega e da Alemanha, chegaram a suspender os repasses ao Brasil – que também engavetou o dinheiro, destinado ao combate a incêndios.
STF
A demissão de Salles ocorre no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou o celular do ministro para perícia nos Estados Unidos. Salles é investigado por obstruir investigações de tráfico de madeira ilegal na floresta Amazônica, mas levou 19 dias para entregar seu aparelho celular às autoridades, e ainda sim sem a senha de acesso.
A decisão de investigá-lo foi proferida com base em uma notícia-crime protocolada pelo delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, que perdeu o cargo após denunciar o ministro. Ela atende a um pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em abril, na condição de superintendente da PF no Amazonas, Saraiva enviou ao STF uma notícia-crime contra Salles. Entre as acusações está a de interferir na operação Handroanthus, obstruindo a ação de fiscalização ambiental. A operação, realizada no âmbito da PF, apreendeu no final de 2020 cerca de 220 mil metros cúbicos de madeira derrubada de forma ilegal no estado do Pará.
Agora, com a demissão, Salles perde o foro privilegiado. Sua denúncia deve ser encaminhada para a primeira instância. Admirado por apoiadores do governo e integrante do núcleo ideológico do presidente, Ricardo Salles é 16º ministro a deixar o governo Bolsonaro em dois anos e meio de mandato.
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