Guilherme Narciso de Lacerda*
Os apoios do governo federal para as PPPs dos entes federados são medidas importantes para destravar investimentos em infraestrutura em todo o país. Mas eles são insuficientes. Há medidas adicionais que podem ser tomadas com repercussões diretas para o deslanche dos projetos, sem intervir no espaço de controle das novas regras fiscais.
A disposição da STN em conceder garantias para os parceiros públicos nas suas obrigações de eventuais aportes na fase de investimentos ou das contraprestações continuadas pode aumentar o interesse dos parceiros privados. Falta especificar se tal norma atinge apenas os entes federados com Índices CAPAG “A” ou “B”, tal como já ocorre. Além disso, há hoje em dia proibições legais dos bancos oficiais financiarem despesas operacionais do setor público. As despesas das contraprestações têm uma parcela de investimento e outra de despesas operacionais. Portanto, é preciso esclarecer a viabilidade legal.
Atualmente, o custo de transação de um financiamento a ser tomado pelos municípios e estados é muito alto em razão das exigências colocadas pelos bancos oficiais e pela própria STN/PGFN. O processo como um todo precisa ser revisto. Por exemplo, não faz sentido exigir a apresentação em uma operação de crédito com aval da União, de uma contragarantia de outra instituição financeira, inclusive privada. Da mesma forma, é impróprio exigir do parceiro público a constituição de conta vinculada em que ficam empoçados recursos correspondentes a certo número de prestações.
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Da mesma forma, as dificuldades de financiamento para os concessionários inibem a atratividade de players nos leilões de PPPs. As exigências de garantias e as obrigações contratuais não tem sucedâneo em qualquer outro país. Normalmente, exige-se do tomador privado uma fiança corporativa ou uma fiança bancária. Permanece a resistência em se construir estruturas de garantias de project finance. Os tempos de análise e as barreiras são elevadas. Um exemplo real é o tempo de tramitação de uma operação de crédito por 24 meses para o banco liberar um recurso de um projeto de PPP de Iluminação pública que foi ele mesmo que estruturou e conduziu até a licitação. E este não é um caso isolado; tem sido a regra.
Uma inovação que poderia agilizar a implantação de concessões municipais e estaduais seria estender aos bancos privados a possibilidade de financiarem o concessionário ou o poder concedente nas mesmas condições dos bancos oficiais. Afinal de contas, a maioria dos municípios e estados já possui relações com eles.
Em suma, os financiamentos precisam ser simplificados. Se há fontes certas de receitas destinadas ao pagamento do serviço público, como é o caso das PPPs de Iluminação pública, não há justificativas para se exigir conta-reservas com retenção de recursos; basta existir a obrigação contratual de recebimento por descontos em contas, à exemplo do crédito consignado.
A melhor alternativa para estimular a implantação de concessões comuns e administrativas dos entes federados é levar adiante as proposições legislativas contidas no Projeto de Lei 7.063/2017. Ele apensa vários projetos da Câmara e do Senado e está praticamente finalizado, tendo ocorrido aprovação ampla no final de 2019 na Comissão Especial. A proposta define-se como a Lei Geral de Concessões (LGC) e faz revisão geral de artigos da Lei 8.987/1995 (Lei das concessões públicas) e da Lei 11.079/2004 (Lei das PPPs).
A manifestação da STN de estender as possibilidades de emissões de debêntures incentivadas para novos setores é alvissareira. Essa era uma demanda antiga do mercado. Ela resgata uma das mais importantes inovações legislativas que permitiram expandir os investimentos em infraestrutura que foi a Lei 12.431, aprovada a partir de iniciativa do governo Dilma em 2011. Os incentivos cobrem também a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e a constituição de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs).
Com a referida lei reduziu-se a dependência de financiamento bancário na composição de fontes dos projetos. A constituição de um mercado secundário com um volume representativo de negociações comprovou o acerto da medida e fortaleceu o mercado de capitais. Um desafio ainda a ser superado relaciona-se ao fato de que os avanços ficaram concentrados nos projetos já concluídos, especialmente naqueles de menor risco, como são os projetos brownfields de energia, transportes/mobilidade urbana e saneamento básico. Por isso, a alteração do Decreto nº 8.874/2016 para incluir projetos de educação, segurança pública, saúde, dentre outros é muito relevante.
O esclarecimento da STN sobre as despesas que devem ser incluídas no cômputo do percentual de até 5% da Receita Corrente Líquida do ente federado é positivo. Este limite é definido para a concessão de garantia pela União. A exclusão de despesas públicas correntes que existiriam, estando ou não inclusas em uma concessão em parceria e os próprios aportes públicos, corresponde a uma antiga argumentação de técnicos do BNDES que, desde 2012, colocavam tal princípio para o Ministério da Fazenda.
Mas, é preciso ir além. Uma revisão que teria forte impacto positivo seria a permissão para os entes classificados pelo Tesouro como nível “A” CAPAG poderem estender o limite de gastos continuados até 10% da sua RCL. Esta iniciativa passa pela aprovação do Poder Legislativo e é provável que não encontre resistências.
Enfim, há avanços, mas há barreiras que podem ser removidas para soltar os investimentos dos estados e municípios. Talvez a melhor contribuição seja construir uma nova ambiência institucional para reduzir o alto índice de interrupções de concessões e de judicialização de contratos. É recomendável ter filtros que reduzam esta situação. Os Comitês de Resolução de Disputas e as Câmaras de Arbitragem são inovações legislativas que estão contempladas no referido projeto de lei que está pronto para ser votado. Estas alternativas precisam ganhar centralidade nos contratos públicos. A importância do assunto para o Brasil recomenda que o Ministério da Fazenda construa uma proposta mais robusta, a partir da consulta a todos os atores envolvidos na estruturação e implantação das concessões públicas dos entes federados.
*Guilherme Narciso Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital (2020).
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