*Por Rivana Barreto Ricarte de Oliveira
Em período mundial de completa necessidade de valorização do serviço público, a Câmara dos Deputados discute uma proposta de reforma administrativa que tem como foco a redução de serviço público, com ataque a direitos, sem que tenha sido produzido qualquer diagnóstico, nem mapeamento dos problemas a serem enfrentados.
Enfrentamos o momento de defesa das instituições e dos direitos conquistados pela população ao longo dos 33 anos de redemocratização do País. Entre eles, está o direito fundamental à assistência jurídica prestada pelo Estado por meio da Defensoria Pública – instituição permanente e essencial à Justiça.
Desde 1988, tem-se consagrado o aprimoramento legislativo e constitucional do Estado-Defensor. Todo o arcabouço legislativo imprimiu padrão nacional para organizar a atuação da Defensoria Pública, desde o atendimento inicial individual até os Tribunais Superiores, oferecendo aos grupos vulnerabilizados a tutela coletiva nas mais diversas áreas, e realizando educação em direitos que promova cidadania e a solução extrajudicial de conflitos que pacifica as relações de maneira mais eficiente e menos custosa.
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Defensores públicos são agentes políticos estatais que exercem a atividade-fim da Defensoria Pública, qual seja, na prestação de orientação jurídica, na atuação em ações judiciais individuais e coletivas, sem necessidade de procuração, e gozam de prerrogativas como prazo processual em dobro e intimação pessoal. Exercem, portanto, atividade própria do Estado, não podendo ser confundidos com advogados públicos e privados (artigo 134, § 1º da Constituição Federal), como já reconheceu o STJ no Recurso Especial 1.670.310.
É importante chamar atenção para a legitimidade que os defensores públicos têm, desde 2009 (LC 132/2009), para promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes, em todos os graus de jurisdição. Além, claro, da responsabilidade de atuar em conciliação e mediação, solucionando diversas demandas extrajudiciais de maneira eficiente e de baixo custo para o erário.
A presença das Defensorias Públicas no território nacional certamente tem contribuído para a democratização do acesso à justiça e à promoção da cidadania no Brasil. Alguns dos casos mais relevantes do judiciário dos últimos tempos foram decididos a partir da atuação da Defensoria Pública. O impacto do não fortalecimento e ampliação do Estado Defensor reflete diretamente no cidadão que deve ser protegido.
A pesquisa realizada em 2019-2020 (II Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital lançado em agosto de 2021) aponta que hoje a Defensoria Pública está presente em 1162 de 2762 comarcas, ou seja, em 42% das comarcas. Parte deste atendimento é alcançado a partir da experiência de itinerância, em determinadas áreas de atuação. É o caso da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul que constituiu “equipes itinerantes do júri”. Essas equipes são compostas pelas defensoras e defensores lotados no júri da capital e que se deslocam para atuarem na realização das plenárias de júri no interior do estado. Essa situação parece consistir em uma opção de racionalidade do serviço, pois investe na especialização da sua equipe de júri e qualifica a atuação da atividade finalística em uma demanda que é possível conciliar as pautas de realização da plenária com certa tranquilidade.
Por essa razão, a Anadep tem trabalhado para que seja mantida na reforma administrativa a possibilidade de substituição e acumulação de trabalho. Hoje a média de atendimentos da instituição gira em torno de 14 milhões de atendimentos por ano. Caso a PEC 32 seja aprovada como está, sem a previsão de manutenção da substituição e acumulação, essa demanda pode sufocar.
Não cabe na Defensoria Pública uma atuação limitada e com ingerência de agentes políticos. A Instituição tem sido instrumento ímpar no acesso à justiça dos vulneráveis. Sabemos, por exemplo, que a crise sanitária provocada pela pandemia da covid-19 trará efeitos negativos principalmente para as camadas mais pobres da nossa sociedade que terão que lutar por seus direitos mais básicos, como educação, saúde, alimentação. E quando tais direitos forem suprimidos, apenas as portas da Defensoria Pública estarão abertas.
A Defensoria Pública forte interessa ao Brasil e interessa à população que carece de serviços públicos de qualidade.
Por isso, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), entidade que representa mais de 6 mil membros da Defensoria Pública –, seguirá dialogando para que as inúmeras inconstitucionalidades do texto não sejam aprovadas na comissão especial e combatendo o desmonte dos serviços públicos. O Estado que queremos é um Estado forte, serviço público de qualidade, com efetiva modernização tecnológica de processo e transparência. Não ao desmonte do Estado brasileiro é o lema a ser perseguido.
*Presidenta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep)
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