Elias Jabbour *
Montreal, no Canadá, será a sede da próxima Conferência da Diversidade, a ser realizada de 7 a 19 de dezembro de 2022. Será mais uma oportunidade para não somente discutir, mas principalmente deliberar sobre a, talvez, maior contradição pela qual passa a humanidade em nossos dias: a questão das mudanças climáticas.
Alguns exemplos da gravidade da situação. Em 2019, perigos relacionados ao clima provocaram cerca de 24,9 milhões de deslocamentos em 140 países. Pesquisas indicam que, sem uma ação climática ambiciosa e uma redução dos riscos de tragédias ambientais, desastres relacionados ao clima podem dobrar o número de pessoas que necessitam de ajuda humanitária para mais de 200 milhões a cada ano até 2050 (1). Característica desta situação é uma outra contradição a ser constatada. A humanidade, de forma mais precisa os países ricos, acumularam tecnologia e conhecimento suficiente para a promoção de uma necessária transição energética, algo que ocorre de forma muito lenta em países como os Estados Unidos e está parada nos países pobres.
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Isso deixa claro que o sistema capitalista não consegue entregar soluções rápidas e ambiciosas no sentido de conferir velocidade à transição energética. Ao lado disso, não conseguem produzir narrativas em torno desta questão. Ou seja, a situação é grave e os países ricos não parecem dispostos a serem partícipes diretos desta transformação radical. Neste aspecto é importante salientar o papel da China neste processo. E aqui são dois os níveis de apresentação e argumentação a serem apresentados.
O primeiro é assumir que apesar da situação chinesa neste campo ainda ser preocupante com a participação do carvão como principal matriz energética do país, a China é o país que mais avança na direção da transformação de seu rápido crescimento econômico e acúmulo de forças produtivas em matriz fundamental a uma revolução energética em seu território. Um exemplo claro e fundamental: os investimentos em energia renovável em todo o mundo atingiram um recorde de US$ 266 bilhões durante o primeiro semestre de 2022, segundo um relatório da empresa de pesquisa BloombergNEF (BNEF). E a China sozinha compôs 43% disso. Fica uma interessante questão sobre este dado: será que somente o socialismo poderá salvar o mundo da catástrofe ambiental?
O segundo nível de apresentação aponta para a construção de narrativas nacionais e construção de subjetividades capazes de compreender a centralidade da contradição que envolve as drásticas mudanças climáticas. O principal conceito apresentado, desenvolvido e aplicado pela governança chinesa é o de “civilização ecológica”. Na COP 15 ocorrida em Kunming (2021), o presidente chinês, Xi Jinping, de forma objetiva e clara, definiu este conceito nos seguintes termos:
Publicidade“(…) tomaremos o desenvolvimento da civilização ecológica como nosso guia para coordenar a relação entre o homem e a Natureza. Precisamos resolver os problemas trazidos pela civilização industrial, manter as atividades humanas dentro dos limites da ecologia e do meio ambiente e realizar a conservação holística e a governança sistemática de montanhas, rios, florestas, fazendas, lagos, pastagens e desertos”. (2).
Como apresentado mais acima, é notável o desempenho chinês na transformação de seu acúmulo tecnológico para fins de construção de uma maior harmonia entre ser humano e natureza. Isso deve ser visto por alguns ângulos. O primeiro mais em nível de pensamento estratégico tem relação com o grande objetivo internacional chinês de construção de uma “Comunidade de Futuro Compartilhado” e a transformação deste conceito em um dos pilares que sustentam as teorias construtivas do “socialismo com características chinesas”.
Outro ponto é teórico e tem relação com o próprio papel que o socialismo enquanto sistema socioeconômico tende a cumprir à humanidade em detrimento do capitalismo e sua incapacidade de lidar com os grandes males que afligem a humanidade. Karl Marx em seus famosos Grundrisse (1858) escreveu um brilhante texto chamado “Fragmento sobre as máquinas”. Neste curto artigo ao relacionar a transição do trabalho vivo (feito pelas mãos) pelas máquinas nos indica um futuro onde o trabalho seria “cientificamente objetificado”. Isso significa uma visão positiva do desenvolvimento das forças produtivas e do papel da ciência e tecnologia na transformação do conhecimento humano, e da própria tecnologia, em elemento libertador da humanidade de seus dramas.
Estaria hoje a China e o sistema adotado por ela (socialismo) cumprindo este insight de Marx, transformando a ciência e a tecnologia em “trabalho cientificamente objetificado”, dando assim uma contribuição decisiva ao enfrentamento dos profundos desafios que as mudanças climáticas impõem sobre a humanidade? A nossa resposta é sim.
Referências
(1) “A mudança climática é a crise de nosso tempo e impacta também os refugiados”. 10/12/2020. Disponível em https://www.acnur.org/portugues/2020/12/10/a-mudanca-climatica-e-a-crise-de-nosso-tempo-e-impacta-tambem-os-refugiados/
(2) “Renewable Energy Sector Defies Supply Chain Challenges to Hit a Record First-Half For New Investment”.02/08/2022. Disponível em: https://about.bnef.com/blog/renewable-energy-sector-defies-supply-chain-challenges-to-hit-a-record-first-half-for-new-investment/
*Elias Jabbour, professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ganhador do Special Book Award of China 2022. Artigo produzido em colaboração com a Rádio Internacional da China.
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