“Se expressa melhor que 90% dos políticos brasileiros”. “Que homem inteligente!”. “Me emocionei”. “Os 40 minutos mais complexos que vi na vida”. “Nunca ri tanto em uma entrevista”.
As aspas são de comentários postados no YouTube abaixo da entrevista publicada nesta quinta-feira (24) pelo portal Metrópoles com o baiano Givaldo Alvez, 48 anos. No ar há apenas algumas horas, o vídeo da entrevista (ver abaixo a íntegra) já acumula mais de 2 milhões de visualizações. Mérito, para começar, do bom trabalho jornalístico realizado por Caio Barbieri, Carlos Carone e Mirelle Pinheiro. A maior virtude foi ter deixado o entrevistado, que é morador de rua em Brasília, falar à vontade.
Givaldo foi agredido no último dia 9 de março após ser flagrado em pleno ato sexual com uma mulher dentro de um carro em Planaltina (DF). Câmeras de segurança registraram o seu espancamento pelo marido traído, levando o caso a repercutir com força nas redes sociais. A entrevista deu ao personagem – trabalhador desempregado da área de carga e descarga – a chance de esclarecer que atendeu a um convite feito pela própria mulher.
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Confira a entrevista:
Givaldo dá a entrevista mostrando os pontos que a agressão deixou no seu rosto e falando das dores que ainda sente em uma costela quebrada. Mas, longe de apresentar revolta, mostra-se gentil e atento ao que se passa no mundo. O início da conversa é inesperado: ele pede um minuto de silêncio em homenagem às vitimas da covid-19 e da guerra na Ucrânia.
Relata que já foi casado e tem uma filha de 28 anos. Antes de chegar em Brasília, passou por cidades da Bahia, de Tocantins e de Minas Gerais: “Como eu ouvi nas ruas que Brasília é o melhor para se estar em situação de rua, pelo apoio humanitário e serviço social, eu fiquei aqui”. Chora ao ser provocado a se dirigir diretamente à sua família. “Digamos que a vida seja uma árvore. Sou como uma folha dessa árvore que o vento levou”, afirma.
Diz que ignorava que a mulher com quem foi flagrado – “linda, linda, uma flor” – era casada. Até tomar conhecimento do fato pela mídia, acreditava que a agressão havia sido uma retaliação por ter testemunhado um atropelamento dias antes. Revela que votou no presidente Jair Bolsonaro (PL) por causa da facada e não se arrepende. “Eu votei com muito orgulho e votarei outra vez”, complementa. Humanamente, nega a veracidade do vídeo, verídico, que o exibiu apanhando sem dó do personal trainer traído.
Mas o que Givaldo conta talvez seja menos importante do que a maneira como ele fala. Sempre muito respeitoso em relação à mulher, deseja-lhe felicidade, agradece pelo momento que desfrutaram juntos (em tempo: a mulher confirma que a relação foi consentida) e esbanja serenidade a todo tempo. Será esse o segredo da imensa repercussão da entrevista? Um homem negro, pobre e sem lar que nos ensina o caminho da gentileza e do respeito ao outro? Ou será mais correto relacionar todo esse burburinho a nossa busca por referência positivas, por pessoas dignas de reconhecimento e de elogios?
Quem sabe há uma explicação mais óbvia e mais próxima: talvez o fato nos tenha colocado, nós brasileiros das camadas médias e altas, diante de alguém do qual nos habituamos a fugir. Tenha nos mostrado que moradores de rua podem ser não apenas pessoas dignas e doces, mas também com razoável grau de educação e de capacidade de articulação verbal.
Pode ser, ainda, que Givaldo e o trio de jornalistas do Metrópoles nos tenham dado, com luvas de pelica, um tapa na cara. Demonstrando por a mais que b que, como naquela famosa canção de Chico Buarque, tem muita gente cuja dor não sai nos jornais que produzimos. Na parte que me toca, agradeço pela lição.
Em tempo: (1) A utilização do vídeo neste espaço foi prévia e devidamente autorizada pelo Metrópoles; (2) O caso de Givaldo ainda está em investigação na 16ª Delegacia de Polícia, em Planaltina. Diferentemente do que pretendia o marido agressor, a ocorrência não foi registrada como estupro. (Com Caio Matos)
PS: Depois de publicar a nota acima, vi outro vídeo em que o mesmo Givaldo revelava detalhes constrangedores da sua experiência com a mulher. Tudo o que ele mostrou de cavalheirismo e contenção na entrevista ao Metrópoles foi por água abaixo. Era o macho tornando pública sua conquista, sem se importar com a parceira, digamos, acidental. Fiquei com a sensação de que a edição do Metrópoles ajudou a conferir, ao cortar trechos picantes de sua fala, uma imagem mais gentil ao entrevistado. Que parece estar gostando do seu momento de fama e anda por aí a tirar onda. Já há até políticos interessados em transformá-lo em candidato a deputado. Nada contra Givaldo, que apanhou cruelmente sem, ao que tudo leva a crer, ter cometido crime nenhum. Ele, ou qualquer outra pessoa, pode falar o que bem entender. Cabe ao jornalismo editar e modular discursos, assim como respeitar balizas éticas. E aí vem mais uma pergunta que este insólito caso coloca na mesa: que diabo de jornalismo estamos todos fazendo? Trazer à tona o depoimento de alguém que normalmente não teria voz na mídia me parece um ponto a favor da cobertura. Superexplorar o assunto, sem se importar em expor uma mulher possivelmente afetada por problemas psicológicos, me causa arrepios.
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