A guerra entre Rússia e Ucrânia já entra em sua terceira semana com milhões de refugiados, sanções econômicas inéditas contra Moscou e pressão sobre commodities no mundo todo. Ainda sim, há saída para uma resolução diplomática para o conflito, que já deixou milhares de mortos e milhões de refugiados?
A professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Bárbara Motta, diz que, em uma negociação diplomática, “é fundamental que se vá para a mesa de negociações com expectativas próximas, ou pelo menos a possibilidade de algum denominador comum entre as as partes. E o que a gente viu é que não há e não houve um espaço de intercessão entre o que cada parte está disposta a fazer”. Ela conclui que cada um dos lados chegou à Turquia com objetivos diferentes: ucranianos buscariam um cessar-fogo, e russos focando em mudanças constitucionais e a aplicação de corredores humanitários.
A professora argumenta que a Rússia não tem nada a ganhar fazendo cessar-fogo, se nenhuma contrapartida fosse feita. “Se o fizesse, passaria sobre a Rússia uma imagem de fraqueza”.
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Não há outra saída além da saída diplomática, completa o professor do Ibmec Ricardo Caichiolo. Em sua visão, o prolongamento do combate permite uma saída diplomática mais favorável à Rússia sobre a Ucrânia. “A tomada de Kiev pode dar um maior poder de barganha para a Rússia. Quanto mais se empurram as rodadas de negociação adiante, e a Rússia percebe que pode avançar cada vez mais no território ucraniano, eventualmente é mais benéfico para ela que estas rodadas se estendam até que ela se sinta confortável de sentar numa mesa de negociação e impor seus termos”, explica.
Mesmo com artilharia pesada dos dois lados, os chanceleres dos dois países se encontraram na Turquia nesta quinta-feira (10), mas não houve acordo. Novas discussões devem ocorrer nos próximos dias.
Papel do Brasil
Questionado sobre o papel da diplomacia do Brasil no conflito, Caichiolo lembrou que o Itamaraty possui um equipe extremamente qualificada para atuar na promoção da soberania dos Estados e soluções pacíficas. “Por conta desta boa impressão que o Brasil tem junto aos pares, somos sempre convidados para operações de país.”
Temáticas mais recentes do governo de Jair Bolsonaro, no entanto, têm colocado essa credibilidade à prova. No caso da guerra, especifica o especialista, não foi ainda o caso – mas temas como o meio ambiente tem causado “contratempos” na imagem do país lá fora. “O posicionamento do poder Executivo federal acaba prejudicando o Brasil na relação com os demais países”, disse, ressaltando que nem sempre isso pode ser entendido como defesa dos interesses brasileiros.
ONU e Haia sobre a Ucrânia
Questionada sobre o papel que a Organização das Nações Unidas (ONU) desempenha no conflito, Bárbara Motta diz que o grupo tem um papel “político e simbólico, que não é marginal e que não é pequeno”, mas que, por ainda operar de acordo com a lógica dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, deve passar por uma revisão de sua atuação para melhor se encaixar no contexto atual.
Os limites legais e morais da guerra, indica a professora, são difíceis de medir, mas contam com o Tribunal Penal Internacional, na cidade holandesa de Haia, como uma espécie de júri especializado sobre o tema. “Bombardear uma maternidade já poderia ser enquadrada no TPI”, pondera Bárbara lembrando de um bombardeio ocorrido esta semana na Ucrânia, “mas todo o processo de julgamento do Tribunal Penal Internacional não é um julgamento simples, nem é um julgamento célere. É um julgamento que demanda não apenas elementos jurídicos e uma espécie de dossiê, mas também uma concertação política, que é um processo que demora bastante tempo”.
Alguns casos sobre o genocídio de Ruanda, ocorrido no país africano em 1994, só foram levados a julgamento em 2002. Por isso, na visão da professora, “podemos ver esse julgamento acontecer, mas talvez as respostas para estas questões jurídicas talvez não sejam rápidas”.
Novo paradigma
Desde o último dia 24 de fevereiro, data em que teve início a ação militar russa na Ucrânia, você já ouviu muitos palpites sobre o assunto. Nada mais legítimo: todo mundo tem direito a ter e a expressar opiniões a respeito de tema tão importante, e comentaristas convertidos do dia para a noite em experts não têm faltado, em nossos círculos pessoais ou nos meios de comunicação. Às 18h30 desta quinta-feira, você terá a oportunidade de ouvir o que pensam e falam especialistas de verdade.
Com a mediação do diretor de redação do Congresso em Foco, Edson Sardinha, e da editora Júlia Schiaffarino, o Congresso em Foco Talk desta semana ouve os professores de Relações Internacionais Bárbara Motta e Ricardo Caichiolo, ambos estudiosos de temas como geopolítica, segurança internacional, economia global e conflitos entre Ocidente e Oriente.
O que está em jogo nesse conflito? Que consequências ele pode trazer no longo prazo nos campos econômico, geopolítico e humanitário? Existe algum risco de uma terceira guerra mundial? Quais as chances de outros países, além da Ucrânia e da Rússia, entrarem na guerra? Que papel poderão ter nos próximos meses a ONU e outras instâncias multilaterais? O que pode acontecer nas arenas militar e diplomática e que efeitos isso pode ter para os dois líderes ora colocados em evidência, os presidentes russo Vladimir Putin e ucraniano Volodymyr Zelensky?
Bárbara Motta, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFSE), pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), é doutora e mestre em Relações Internacionais pelo programa de pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP) e autora do livro Securitização e política de exceção: o excepcionalismo internacionalista norte-americano na Segunda Guerra do Iraque. O livro mostra como os EUA, após o 11 de Setembro, passou a tratar os conflitos geopolíticos pela via da emergência e da excepcionalidade, com o recurso à exceção e a medidas bélicas.
Ricardo Caichiolo, PhD em Ciências Sociais e Políticas pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), atuou como analista do Banco Central do Brasil, onde foi assessor da Consultoria para Assuntos de Integração no Departamento de Relações Internacionais e Dívida Externa. Também tem mestrado em História e dupla graduação superior, em Direito e em Relações Internacionais. Membro do Conselho Editorial do Senado Federal, é autor do livro Relações Brasil – China: do período quente da guerra fria à abertura da China ao Ocidente (1949-1979).
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