O ano legislativo teve início no Congresso Nacional em 5 de fevereiro. De forma habitual, uma das primeiras atividades da agenda parlamentar foi a indicação e eleição dos presidentes das comissões permanentes da Câmara dos Deputados. A definição dos deputados que ocupam esse cargo é sempre resultado de um acordo entre os líderes partidários, determinando quais partidos serão responsáveis pela indicação de um nome para assumir a presidência de cada comissão. Em seguida, uma eleição é realizada, geralmente com um único candidato, durante uma sessão especial que marca o início dos trabalhos da comissão naquele ano.
Até a segunda semana de março de 2024, todas as comissões permanentes da Câmara dos Deputados já haviam eleito seus presidentes e começado seus trabalhos, exceto a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e a Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU). Ambas permanecem paralisadas, sem qualquer previsão para iniciar a sua atuação no ano legislativo. As duas comissões estão aguardando a indicação dos respectivos presidentes pelo MDB – único partido que ainda não cumpriu com a sua função nesse processo que envolve as comissões permanentes.
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A demora na definição dos presidentes paralisa por completo o trabalho das comissões e inviabiliza a atuação dos parlamentares membros. Projetos de Lei e temas que deveriam ser debatidos e votados nas comissões são direcionados diretamente para o Plenário, reduzindo o envolvimento dos poucos parlamentares engajados na pauta ambiental por exemplo, no caso da CMADS. Além disso, a sociedade civil também perde espaço na arena legislativa, uma vez que as audiências públicas realizadas pelas comissões são o maior canal de interface do Legislativo com a sociedade e seus grupos.
O retorno das atividades da CMADS, em especial, é vital para a Câmara, pois representa o principal espaço de proposição e deliberação de temas ambientais. Além das implicações institucionais referentes ao trâmite legislativo, essa paralisia toca em questões de governabilidade. A pauta ambiental é crucial para o governo, e tem contribuído significativamente para colocar o Brasil no centro dos debates internacionais. O MDB, partido que tem negligenciado seu papel diante das comissões permanentes, é base do governo e isso torna a sua inação algo ainda mais incompressível e contraproducente. É possível, portanto, que o diálogo do PT com a sua base aliada, em termos de governabilidade, possa estar falhando, deixando escapar pontos cruciais para o desenvolvimento da agenda do Executivo no Legislativo.
Na verdade, a pressão para que a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável retome os trabalhos tem surgido apenas de organizações da sociedade civil, como ONGs focadas em questões ambientais, e mais recentemente, da Frente Parlamentar Mista Ambientalista. Em 11 de abril, a frente emitiu uma nota, assinada pelo seu coordenador, deputado Nilto Tatto (PT-SP), denunciando a morosidade no processo de instalação da CMADS.
O fato mais interessante, entretanto, é que esse caso está previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
De acordo com o artigo 28, os líderes partidários devem comunicar ao presidente da casa os nomes indicados para as comissões até 5 sessões após o início de cada ano legislativo (27 de fevereiro de 2024, nesse caso). Quando a indicação não acontece, o regimento prevê que o presidente da Câmara deve fazer, de ofício, a designação num prazo de mais 3 sessões (5 de março de 2024, nesse caso). Escrevo este texto na quarta semana de abril e a CMADS ainda não tem presidente.
É ainda mais curioso pensar que, recentemente, no fim do ano passado, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, mencionou em vídeo a “pauta verde” como uma prioridade para o Legislativo brasileiro, “comprometendo-se” com o desenvolvimento de uma agenda voltada para a transição energética, o desenvolvimento sustentável e a preservação dos ecossistemas. No entanto, na prática, contradizendo-se, Lira não tem feito uso das suas atribuições previstas em regimento para que o trabalho da CMADS seja retomado.
O Brasil será o país a sediar a COP30, em 2025, e é inconcebível que o Poder Legislativo ignore esse fato e inutilize o principal espaço de deliberação e debate a respeito do assunto. Seja por negligência do governo, do MDB, ou da própria Presidência da Câmara, duas comissões centrais para o tema ambiental seguem paralisadas e, então, vale perguntar a quem interessa essa paralisia? Quem ganha com a falta de espaço para atuação dos parlamentares engajados com o tema? Que agenda obscura incentiva e justifica essa leniência? Quem irá acionar a próxima “instância de decisão” para resolver essa paralisia? Quais mecanismos internos da Câmara dos Deputados poderiam resolver essa omissão? Recorrer ao Supremo Tribunal Federal seria a saída para solucionar esse vácuo ambiental que se forma na Câmara dos Deputados?
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