Este foi um South by Southwest (SXSW) diferente para mim. Depois de tantos anos frequentando o festival em busca de antecipar tendências e conhecer o que está por vir, termino esta edição com uma sensação totalmente diferente.
Se tivesse que retratar num quadro o que mais me impactou nesses dez dias de evento, minha pintura teria a representação de um planeta atravessando policrises e uma geração em transição com muitos questionamentos sobre as novas tecnologias e os novos comportamentos. O quadro traria também líderes voltando a sonhar por meio da arte, de novas narrativas e do desenho de um mundo melhor.
Se tivesse a audácia de produzir um filme sobre o que vi em Austin nesses dias, meu roteiro seria um composê de “De volta para o futuro” com “Terra em transe” e “Civil War”, novo filme com Wagner Moura, que teve lançamento mundial no SXSW.
Complexo? Não era para ser o SXSW da inteligência artificial (IA)?
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É evidente que estamos atravessando uma revolução tecnológica sem precedentes que vai mudar a história da humanidade de forma muito rápida e que o futuro da inteligência artificial é “mind blowing”, conforme descreveu Lisa Su, CEO da AMD, durante um painel lotado no Austin Convention Center.
O SXSW foi um tapa na minha cara. No meio dessa revolução tecnológica, o evento foi um festival mais humanista e iluminista, que buscou resgatar o senso de pertencimento do homem com o planeta, de misturar arte com tecnologia e evocar a ancestralidade da humanidade para desenhar as tecnologias que podem minimizar uma crise de confiança generalizada e sem precedentes.
Crise? Sim, este foi o termo que mais ouvi nos inúmeros painéis e experiências que participei nesse dias em Austin. Além dele, minha nuvem de palavras também contém: senso de pertencimento, conexões profundas, solidão, comunidades, e, claro, inteligência artificial.
Hugh Forrest, co-presidente do SXSW e responsável pela programação, abriu o evento dizendo que “não há tecnologia mais poderosa do que o olho no olho e as conversas verdadeiras”. E fechou o festival com um alerta: “Há 15 anos estávamos aqui neste mesmo lugar vendo o início de uma grande transformação da sociedade com o avanço das redes sociais. Elas trouxeram muita coisa boa, mas também trouxeram isolamento, solidão, polarização e radicalismos. Não podemos deixar que o mesmo aconteça com a inteligência artificial”.
Mais do que nunca ficou evidente a necessidade de compreender contextos para construir soluções coletivas que moldem o futuro. De impactar o mundo com narrativas que enfrentem preconceitos e resgatem a importância das conexões interpessoais, o senso de pertencimento, a solidão e a construção de comunidades.
Eu tive a oportunidade de apresentar o Arena de Ideias direto de Austin, ao lado de Ana Paula Zamper, conselheira e tech expert, e de João Moreira, co-founder e diretor de Novos Negócios da PBHUB, para conversar sobre o que mais nos impactou, o que realmente nos deu “um tapa na cara”.
A ressignificação do modelo de liderança que conhecemos até aqui, os limites éticos e regulatórios das plataformas de mídia e das novas tecnologias e a compreensão dos comportamentos inter-geracionais são temas transversais para todos os negócios e devem ser monitorados constantemente.
John Hagel, consultor em gestão e transformação digital com mais de 40 anos atuando para empresas no Vale do Silício, durante a palestra I’m seeing Diving Much Deeper Into Digital Transformation, destacou a importância dos líderes serem os agentes que acolhem o medo da mudança e não impõem a necessidade da mudança.
Hagel disse que a transformação digital para mudar as organizações só é possível com a transformação emocional de líderes e equipes.
Vi iniciativas de inteligência artificial para fornecer companhia à solidão em um mundo cada vez mais isolado. A paradoxal falta de conexão nesta era de hiperconectividade é um alerta para a importância de relações genuínas e profundas.
Na era da hiperconexão, das redes sociais, e da alta visibilidade, sabemos que os likes nem sempre representam real envolvimento interpessoal. Afinal, quantos dos seus seguidores te dariam à mão em um momento difícil ou levariam comida para o seu gato enquanto você viaja?
Entre debatedores que admiro, a psicoterapeuta Esther Perel trouxe conceitos como presença ativa e ausência ambígua, quando você está de corpo presente, mas ausente, sem dar atenção a quem está ao seu lado. O “tapa na cara” que o SXSW nos dá é sobre a necessidade de relacionamentos autênticos neste mundo digitalmente conectado, mas emocionalmente desconectado.
Artistas, celebridades, intelectuais, CEOs, gestores, empreendedores, líderes e curiosos que circularam no SXSW certamente saem com a certeza que as crises continuarão complexas e a disrupção acelerada. Buscar conhecimento sobre gestão de crise, moderação de conflitos e construção de pontes são mais que necessários.
A qualidade dos relacionamentos e das comunidades que construirmos e a capacidade de impactar e ser impactado é o que, de fato, permitirá a transformação do status quo. O importante é aprimorar nossas conexões humanas, nosso senso de pertencimento com o planeta e o propósito.
Em um mundo em constante mudança, são essas conexões que nos capacitam a construir um futuro mais humano e inclusivo.
O desafio para quem vai ao SXSW é incorporar os insights do festival nas vidas e negócios quando voltamos para casa, mas principalmente de impactar outras pessoas com o que aprendemos. Este é o legado do SXSW.
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