Cleber Lourenço *
O Ministério Público, protagonista da destruição da política nos últimos anos, decidiu avançar e virar um braço das forças armadas com um acordo com a Abin e o SNI e visa disseminar no MP metodologias da doutrina de inteligência. Em setembro o jornalista Frederico Vasconcelos revelou, em seu blog na Folha, que o exército vai orientar o Ministério Público na produção de relatórios de inteligência.
Ainda esse mês, ocorrerá o evento “Estágio de Planejamento de Inteligência” com representantes dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) e das comissões provisórias instaladas por Augusto Aras e que é mais um capítulo da escalada do MP que busca de uma forma ou de outra o posto de poder moderador do país.
Veja também: Para além de 2022
Além de orientar, o acordo entre Ministério Público e militares, ainda têm como objetivo estimular o intercâmbio de informações e permitirá aos membros do MP terem acesso de plataformas de comunicação desenvolvidas pela Abin e telefonia portátil com criptografia.
Leia também
Fora das suas obrigações
Não surpreende, pesquisas já mostraram boa parte dos seus quadros não se interessa em fazer o MP cumprir o seu papel institucional.
O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), inclusive, redigiu um Manual Nacional de Controle Externo da Atividade Policial, que serve para balizar o trabalho do MP.
O manual ainda informa que esse controle se faz com a “repressão aos eventuais desvios de conduta dos policiais, combate à impunidade e bloqueio das interferências na atividade correcional”, além de garantir que sejam oferecidos elementos suficientes ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia ou arquivamento do caso.
Além disso, a CF ainda é clara e afirma no Art. 129, II, que, além de fiscalizar a atividade policial, é função do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”.
Infelizmente a busca por holofotes e audiência de procuradores afastou o MP da realidade, criando anomalias, como os procuradores-celebridades que fazem coletivas de imprensa espetaculosas e promovem ataques e militância velados nas redes sociais. E não, não é só a turma de Curitiba.
Em 2016, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes realizou uma pesquisa, em conjunto com o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A pesquisa contou com a participação de 899 promotores e procuradores de todo o Brasil. Vejam mais extratos da pesquisa no site Justificando.
Nela, menos de 10% dos entrevistados disseram ocupar-se unicamente com a tarefa de exercer controle da atividade policial e 24% disseram que fazem isso de maneira parcial (?!). A pesquisa ainda mostrou que quase 100% dos entrevistados percebem que essa atividade não é prioritária dentro do MP.
A relação entre os GAECOS e as polícias militares nos estados são outro empecilho para o controle externo da atividade policial; o que é outro ponto de corrosão do Estado de Direito.
Isso mostra que o MP e seus membros estão fazendo literalmente o que bem entendem, escolhendo temas e pautas que rendam mais publicidade e audiência.
A própria Lava Jato mostrou que o MP agora também tem como função servir de plataforma política para procuradores e promotores do país todo. O próprio Deltan Dallagnol tinha o anseio de o MP ter um candidato ao Senado em cada estado, até ele mesmo aventou a possibilidade de ser senador.
Vejam só um dos tweets mais recentes do Deltan no Twitter com uma nota da Lava Jato sobre uma decisão do Supremo Tribunal Federal:
“A força-tarefa cumprirá a decisão do Pres. do STF para dar acesso às bases de dados, mas lamenta a orientação inédita de compartilhar informações sigilosas e dados privados de cidadãos sem indicar investigação específica relacionada”.
Membros do MP lamentando que sejam obrigados a cumprir a lei?
Arapongagem
A produção de relatórios de inteligência, voltados para cenários futuros e avaliações de risco é incompatível com a indevida capacidade do MP em conduzir investigações criminais que possuem como objeto, fatos já ocorridos.
Preciso lembrar do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal que investiga se Lava Jato tentou intimidar ministros do tribunal com uma investigação ilegal da força-tarefa contra membros da Corte?
Ou então da tentativa de membros da operação em obter e utilizar sistema de espionagem israelense? E as buscas e apreensões em escritórios de advocacia? Arapongagem pura.
É preocupante que cada vez mais o MP acumule poderes de vigilância sob os cidadãos brasileiros e a política brasileira. Hoje o nosso MP é o sonho de todo autoritário do nível de Viktor Orbán.
A instituição que já mostrou, através dos membros da Lava Jato e do endosso das dez medidas contra a corrupção, que é contra o habeas corpus, o foro privilegiado e que já defendeu o uso de prova ilícita para condenar, é a mesma que agora busca produzir relatórios de inteligência.
Para a sorte do país e da democracia, não lograram êxito nessas escaramuças contra o Estado de Direito.
Não é por menos que, no último sábado (9), o ministro do STF Gilmar Mendes disse em uma entrevista ao site Brasil 247 que “estivemos mais perto de uma ditadura com Moro e Dallagnol do que com Bolsonaro”.
E, assim, vai se tornando cada vez mais inevitável a discussão sobre o acúmulo de poderes do MP que hoje é incompatível o Estado de Direito e um verdadeiro bode na sala da democracia brasileira.
O que buscam com esses relatórios? A instituição da dossiecracia?
É de se estranhar ver essa aliança entre MP e militares, as duas castas não eleitas do Estado brasileiro e que que se revezam nas tentativas de ocupação do imaginário posto de poder moderador do país.
Nosso MP, que não devia investigar, mas investiga, agora faz até mesmo a previsão de riscos e cenários futuros? Com qual finalidade?
Uma instituição cada vez mais politizada e marcada pelo show de horrores das ações durante o pleno funcionamento do processo eleitoral de 2018, me preocupa essa atividade.
Já que a Lava Jato foi desmanchada, tentarão tutelar a política brasileira por outros caminhos?
Com tantos poderes e desejos de punição e instauração de um Estado policial, o que difere o nosso MP do infame Dops?
O que procuram com tanto poder? Transformar o Brasil no Brasil na República do dossiê?
A sociedade civil e principalmente os políticos devem ficar atentos e vigilantes para o cenário que se desenha, principalmente com o que poderá vir das urnas em 2022.
* Cleber Lourenço é pós-graduando em Jornalismo político.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
O bode na sala da PEC 5/2021 não resolverá o descontrole do MP
Deixe um comentário