O apoio dos evangélicos à indicação do advogado Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal, feita pelo presidente Lula, pode representar uma possível aproximação do atual governo com a Frente Parlamentar Evangélica. Após a reunião, Zanin foi elogiado por pastores, e até mesmo chamado de “futuro ministro do STF”. Zanin também almoçou na Assembleia de Deus de Madureira, em Brasília na companhia de parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica com líderes como Damares Alves. A indicação do advogado foi aprovada com folga pelo Senado na última quarta-feira.
Muito se tem falado sobre a polarização dos campos da esquerda com a camada evangélica, fato evidenciado por acontecimentos recentes como a fala considerada preconceituosa da filósofa Márcia Tiburi acerca do fenômeno da glossália, a enviesada afirmação do advogado Wilson Ramos sobre evangélicos serem “pessoas ruins” e por outro lado, intensificando tal polarização, tivemos a entrevista de Dallagnol no programa Roda Viva e a fala de Marcos Feliciano dizendo que o governo pratica intolerância religiosa, ambos afirmando sua identidade cristã através de reações a respeito de posturas da esquerda.
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O pesquisador Vinicius Valle em recente artigo nesta e em outras plataformas, questiona a quem interessa esta polarização, afirmando que não há como governar o Brasil atualmente sem considerar a camada evangélica da população, na qual representa quase um terço dos brasileiros.
Provavelmente Lula está buscando formas de tentar se aproximar de parlamentares evangélicos, fato que não é algo recente na história da política brasileira. Embora tenha ficado bastante difundida a ideia de que evangélicos e a esquerda partidária (principalmente o PT) não tenham proximidade, a história política recente nos mostra o contrário.
Várias pesquisas buscam demonstrar como igrejas da terceira onda do pentecostalismo, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Assembleia de Deus (AD), estão engajadas com a mais recente fase da democracia brasileira, que foi iniciada no fim dos anos 1980, e como essas e outras igrejas cresceram e se desenvolveram com uma relação estreita com os governos democráticos do Brasil, assim como o desenvolvimento do cenário político brasileiro e as posições políticas ao longo dessas décadas foram constantemente afetadas por essa relação, de forma que a cronologia de igrejas como a IURD se confundem com a cronologia da própria democracia brasileira.
Desde o início de sua formação, a Frente Parlamentar Evangélica e seus representantes acompanham e se adaptam de forma bastante conveniente e até flexível o poder executivo de cada período, buscando sempre possíveis alianças e acordos, como exemplo podemos citar o fato de que o líder religioso Edir Macedo já se declarou a favor do aborto.
Isso não significa necessariamente que parlamentares evangélicos mudam de ideia meramente por interesses ou abrem mão de suas demandas, mas que o espaço político é baseado em redes de atores e conexões, e embora estejamos falando de indivíduos religiosos, estamos também falando de alianças políticas que buscam a partir de acordos se fortalecerem, formarem grupos sólidos e assim colaborarem entre si em prol de suas agendas.
Depois que foi indicado por Lula, Zanin procurou lideranças evangélicas em busca de apoio para ter seu nome aprovado no Senado, o que se concretizou, e essa aproximação é não somente estratégica, como indispensável, assim como o interesse é mútuo.
Quando se trata de debater religião no espaço público, é importante perceber a religião não como fé, mas enquanto linguagem, performance, enunciação: de que forma as demandas e valores religiosos são reivindicados enquanto direito? Como são acionadas através de uma linguagem secular valores religiosos e agendas morais? Essa é uma proposta de chave interpretativa que pode nos ajudar a compreender essa “fusão” entre religião e política.
Em outras palavras, o que está em jogo não é a fé de cada religião, mas a forma como reivindicam suas visões de mundo e suas concepções de bem comum.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Manuela Löwenthal – Doutoranda em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora do projeto Temático “Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, financiado pela FAPESP. Atua também como professora de Sociologia na rede estadual paulista.
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