Vinicius do Valle *
Nas últimas semanas, vimos a filósofa e ex-candidata à prefeitura do Rio, Márcia Tiburi, fazer um comentário depreciativo sobre a prática pentecostal de se falar em línguas estranhas, chamada academicamente de Glossolalia.
Na mesma linha, nos últimos dias vimos Wilson Ramos, advogado e membro do “Conselhão” criado por Lula, afirmar que “maioria dos evangélicos é composta de pessoas ruins”. Aliás, não há um evangélico sequer no referido conselhão.
Por conta disso, o deputado e pastor Marco Feliciano disse que o governo pratica “intolerância religiosa” com os evangélicos. Feliciano diz o mesmo a respeito da esquerda, de forma geral: diz que é anticristã e que é impossível ser cristão e de esquerda.
Também polarizando com o campo progressista, o ex-deputado Deltan Dallagnol, ao participar do programa de entrevistas Roda Viva, na última segunda-feira, trouxe à tona em diversas oportunidades sua identidade cristã.
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Em uma das vezes que o fez, disse que a ideia de que as mulheres deveriam ser submissas aos homens era bíblica, em uma interpretação literal e questionável das escrituras sagradas para os cristãos. Em todas as referências religiosas utilizadas por Dallagnol, o efeito esperado era o de trazer a categoria evangélico em polarização com a esquerda e aliada ao campo da direita lavajatista antilulista.
O ponto em questão é: quem ganha com essa polarização?
A camada evangélica da sociedade brasileira deu os maiores índices de voto em Bolsonaro na eleição de 2018 e 2022. Nesses primeiros meses de governo Lula, é a camada que vem dando os menores índices de aprovação ao governo. Quem acredita que é possível vencer eleições e governar sem o apoio dos evangélicos, esquece que hoje esse é o grupo religioso de quase um terço dos brasileiros e que, na próxima década, os evangélicos devem ultrapassar os católicos em presença no Brasil. A negação de dialogar e estabelecer acordos com esse segmento pode, em pouco tempo, sem exageros, representar o veto à elegibilidade da esquerda em eleições majoritárias no Brasil.
É claro que um diálogo profícuo com esse campo não acontece de uma hora para a outra. O histórico de polarização dos últimos anos e os posicionamentos opostos em pautas caras para ambos os lados, como as pautas relacionadas à sexualidade e gênero são elementos dificultadores. No entanto, ainda que com tais dificuldades, é preciso encontrar alianças e acordos comuns, e não reforçar uma polarização que, ao fim e ao cabo, só beneficia a direita.
O mundo evangélico é plural e há evangélicos de esquerda atuantes e que tentam, há décadas, se aproximar do campo organizado da esquerda. Há também evangélicos não organizados que poderiam encontrar uma série de afinidades com pautas progressistas. Ao debochar das práticas religiosas desse grupo e ao permitir que, do outro lado, evangélicos conservadores aproximem a identidade religiosa cristã do campo político da direita, a esquerda só faz afastar as possibilidades de pontes.
* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).
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