Enquanto milhares de pessoas festejavam em Brasília a posse do novo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o antigo presidente Jair Bolsonaro comia solitário um frango frito em um restaurante popular de Orlando, nos Estados Unidos. Enquanto Lula exortava em seu discurso no Parlatório tempos de pacificação, o Psol entrava com um pedido de prisão preventiva de Bolsonaro. Enquanto no QG do Exército a ficha bolsonarista parecia começar a cair e o acampamento era desmontado, o Diário Oficial publicava os decretos do revogaço de Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticava na sua posse a “insanidade” econômica do governo anterior.
Há desde mesmo antes do domingo e da histórica posse de Lula sinais para todos os gostos. De Bolsonaro sozinho em Orlando hospedado na inacreditável casa que tem um quarto de mínions aos recados do vice-presidente Hamilton Mourão à exortação de Lula contraposta aos gritos de “não tem anistia” da plateia na Esplanada dos Ministérios. Dado o apito inicial do novo governo, para onde irá, então o país? Teremos tempos de pacificação ou tempos de revanche?
Pedi socorro a dois renomados analistas políticos para ajudar a avaliar o clima neste início de governo. E ambos duvidam um bocado que viveremos tempos de paz. Ainda que Lula de fato deseje isso como externou em seu discurso no Parlatório, não é esse o sentimento dos seus aliados. E do outro lado nada também parece indicar que os derrotados agora recolherão de fato as suas armas e afinal entenderão que perderam as eleições e que Lula é o novo presidente do Brasil.
“Serão tempos de muita revanche”, avalia o advogado especialista em direitos humanos e analista do site Inteligência Política Melillo Dinis. “E de ambos os lados”, completa ele. Para Melillo, ainda que não parta de Lula, qualquer ação que atinja Bolsonaro e seu governo será atribuída a ele. E ações virão. Os inquéritos que investigam atos antidemocráticos prosseguem. E algumas medidas mais duras serão mesmo necessárias contra aqueles que praticaram terrorismo nos últimos dias. Nada fazer contra quem tocou fogo em automóveis, quis atirar um ônibus do alto de um viaduto e tentou armar uma bomba para explodir próxima ao aeroporto seria contrariar a lei. E isso o novo governo e as autoridades do Judiciário não irão fazer.
“Lula está tentando de fato a pacificação”, considera o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria. “O problema é que as partes não parecem ter esse mesmo sentimento”, pondera. “Os dois lados ainda estão muito aguerridos. Estão querendo a batalha. Eu não vejo como de imediato iremos resolver isso”.
Para André, porém, com o tempo o distensionamento tende a acontecer. “Em algum momento, perceberão que não há sentido em se continuar brigando por isso. Um grupo perdeu, outro ganhou, assim é a vida na democracia. Eu quero crer que com o tempo isso será percebido”.
Tudo dependerá, porém, consideram os dois analistas, do rumo que as coisas tomarão nos próximos dias. Quanto mais acertos acontecerem no governo Lula, mais rápido haverá o distensionamento. Se o governo Lula errar, desta vez haverá uma militância pronta para tomar as ruas, com toda a sua organização e ação que já se mostrou por vezes mais que aguerrida, violenta e truculenta.
Da mesma forma, deverá ser a relação com o Congresso. No papel, Lula teria contra si um Parlamento mais conservador e oposicionista. Na prática, na negociação da PEC da Transição, já se demonstrou que o jogo é muito possível. Grupos ligados ao conservadorismo neste momento se bandearam para o novo governo. O União Brasil tem ministérios e até mesmo Arthur Lira pode dar pitacos na formação do novo ministério.
É uma turma confiável que dará maioria tranquila a Lula? Evidente que não. Da mesma forma que o sucesso ou insucesso do governo coloca ou não militantes de oposição nas ruas, também será isso que definirá o tamanho do apoio a Lula no Congresso. Se tudo der certo, caminha-se com ele. Se as coisas começarem a der errado, a turma se bandeia.
E quanto ao próprio Bolsonaro? Poderá ficar tranquilo comendo frango frito na terra do Pateta? É possível que não. Haverá pressão para puni-lo. E processos contra ele correrão, tanto na justiça brasileira como na justiça internacional. Há, porém, quem recomende sobre ele ponderação. Se vier alguma condenação, que ela seja muito bem baseada e sem maiores questionamentos. Para não tornar Bolsonaro um mártir. É sempre bom lembrar que não há muito tempo, o atual ocupante do gabinete principal do terceiro andar do Palácio do Planalto ocupava uma cela em Curitiba. Num ambiente polarizado como o nosso, ídolos se transformam rápido em presidiários. Mas de presidiários voltam rápido a ser ídolos também.
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