O reverendo Amílton Gomes de Paula é um religioso ligado à Igreja Batista e o primeiro a depor no retorno da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta terça (3). Ele se apresenta como presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma instituição que, apesar do nome, não é ligada ao governo, mas uma ONG que “tem várias parcerias com entidades inter-governamental e não-governamental, tanto a nível nacional como internacional”, em uma nota de esclarecimento que está no site da Senah. No “combate” à covid-19, prossegue a nota, a Senah “desenvolveu diversas ações de atendimento emergenciais”, o que a levou a se envolver como intermediária em um processo de aquisição de vacinas da AstraZeneca a partir de uma empresa dos Estados Unidos, a Davati Medical Supply.
Um caso no mínimo estranho, uma vez que a AstraZeneca desenvolveu no Brasil a vacina em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em princípio, não haveria nenhuma necessidade de se buscar intermediação para adquirir tais vacinas. Duplamente estranho, porque na negociação o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias teria pedido propina. Triplamente estranho porque ele pediu a propina a um cabo da Polícia Militar, Luiz Paulo Dominguetti. Que ficou ainda mais estranho quando o dono da Davati, Herman Cárdenas, em entrevista, disse ter sido enganado pelos seus representantes. Mas, estranhamente, não explicou como poderia vir a conseguir 400 milhões de doses da vacina para vender ao Brasil. E que papel teria Amílton de Paula nessa história toda? Para senadores da CPI da Covid, facilitar o acesso do grupo ao presidente Jair Bolsonaro. É esse o novelo que os senadores pretendem puxar no depoimento nesta terça
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Luiz Paulo Dominguetti apareceu como personagem na CPI da Covid por iniciativa própria. Ele concedeu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo onde denunciava que Roberto Dias lhe pediu US$ 1 de propina por cada vacina que viesse a ser comprada pelo Ministério da Saúde. Na CPI, os senadores ficaram com seu celular. Entre as mensagens ali contidas, encontraram gravações e mensagens que mostravam o envolvimento de Amílton de Paula. A partir dele, as menções ao presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com as mensagens, Bolsonaro teria recebido Amílton de Paula em audiência. No dia 16 de março, está registrado no celular um diálogo entre Amílton e Dominguetti no qual ele afirma ter falado “com quem manda”. “Ontem, falei com quem manda. Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação de grande quantidade de vacinas”.
Embora nesse diálogo ninguém se refira ao presidente, há uma conversa anterior, do dia 13 de março, entre Dominguetti, e o representante da Davati no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho, que diz o seguinte: “Estão viabilizando sua agenda com o presidente”. Ao que Cristiano responde: “Dominguetti, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã ou até terça-feira, porque aí eu preciso mudar o voo e reservar o hotel, tá bom?”
Mais adiante, Cristiano diz: “O reverendo está falando que está marcando um café da manhã com o presidente amanhã, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai entrar no vácuo, tá?”. No dia 15 de março, há um diálogo de Dominguetti com um auxiliar de Amílton, de nome Amauri. Dominguetti pergunta: “Como foi a visita do reverendo com o 01?”. E Amauri responde: “O reverendo nesse momento está com o O1”. E, de fato, no dia 16, ocorre a conversa na qual Amílton diz a Dominguetti ter falado “com quem manda”.
De fato, a Davati nomeou como intermediários na negociação com o ministério tanto a Senah de Amílton de Paula como o cabo da PM. Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, no domingo (1), o dono da Davati disse ter sido “enganado” pelos seus parceiros brasileiros na transação. Segundo Cárdenas, os envolvidos venderam a possibilidade de acesso a Bolsonaro. Cristiano lhe enviou uma foto na qual aparecia em uma reunião com o presidente. Uma foto fake, ele teria verificado depois. E aí entraram os demais intermediários na história: Dominguetti e Amílton. Cárdenas disse não ter suspeitado da presença de tantos atravessadores. “Quando se vende vacina de gripe, por exemplo, é comum ter três ou quatro intermediários. Um apresenta para outro, que apresenta para outro, que apresenta para outro…”
O problema agora está em se esclarecer porque o governo precisaria de um intermediário “que apresenta para outro” se já havia um processo direto de aquisição da vacina da AstraZeneca com o próprio laboratório e a Fiocruz. E se o papel de Amílton de Paula no negócio era, como parece, fazer com que o grupo tivesse acesso ao presidente Bolsonaro. E se Bolsonaro de fato mandou acelerar um processo que, caso fosse concretizado, geraria um prejuízo de US$ 400 milhões em propina para Roberto Dias, conforme a história contada por Dominguetti.
Amílton de Paula vai depor munido de um habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, que lhe permite silêncio parcial na CPI. Ele pode ficar em silêncio para não se incriminar diretamente. Apesar disso, a CPI pretende esclarecer as questões que envolvem o reverendo no depoimento.
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