O recesso parlamentar já terminou – ainda antes do feriado de Carnaval – mas seguem na pauta pendências importantes relacionadas diversos vetos presidenciais. E dentre os 27 vetos a serem analisados pelos parlamentares nos próximos meses, existe um (veto 47/2023) que é fundamental para agenda ambiental e de saúde pública do país: a Lei dos Agrotóxicos (Lei 14.785/2023).
Depois de 25 anos de debates em torno do tema, foi sancionada, em dezembro de 2023, a lei que modifica as regras de licenciamento e comercialização de agrotóxicos no país. Essa foi uma das mais longas tramitações que já passaram pelo Congresso Nacional, já que a proposta original data de 1999 e foi apresentada por então senador Blairo Maggi, conhecido como o “rei da soja”. E não é por acaso que o chamado PL do Veneno seguiu esse longo percurso pelas casas legislativas – trata-se de um tema controverso e que acirrou o embate entre as bancadas ruralista e ambientalista.
Com a aprovação dessa lei, fica revogada a Lei dos Agrotóxicos, de 1989, e flexibilizam-se as regras de aprovação e comercialização desses produtos químicos. Lula vetou 14 trechos do projeto de lei. Os pontos mais importantes vetados pelo presidente são aqueles que dariam ao Ministério da Agricultura e Pecuária a competência exclusiva para registros de pesticidas, produtos de controle ambiental e afins. O dispositivo retirava do Ibama e da Anvisa as atribuições de fiscalização do uso dos agrotóxicos.
A justificava do Planalto para o veto incide no fato de que não é possível transferir a análise toxicológica (riscos à saúde) e ecotoxicológica (riscos ambientais) para um único órgão – de modo a garantir a manutenção do modelo tripartite. Cabe lembrar ainda que o trabalho conjunto dos diferentes órgãos ainda evita que o processo de licenciamento dessas substâncias fique vulnerável ao lobby exercido pelo agronegócio no Ministério da Agricultura e Pecuária; já que esta pasta, normalmente, tem uma maior permeabilidade nas relações intergorvernamentais com esse setor.
Os vetos, entretanto, ainda podem ser rejeitados pelo Congresso, como ocorreu com a Lei 14.701/2023, quando, em dezembro do ano passado, os deputados e senadores derrubaram o veto à tese do marco temporal. Organizada, influente e com uma forte representação nas casas legislativas, a bancada ruralista tem força no Poder Legislativo e já demonstrou que a temática dos agrotóxicos tem uma presença importante em sua agenda.
O fato é que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxico do mundo, fazendo uso abusivo e indiscriminado desse tipo de produto químico. No último estudo realizado e publicado, em 2022, pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (vinculado a Anvisa), mais de 25% das amostras de alimentos analisados foram consideradas insatisfatórias por terem uma concentração maior do que o limite máximo de agrotóxico autorizado por lei.
Dezenas de cidades brasileiras já possuem águas contaminadas com pesticidas num nível acima do permitido pela Organização Mundial da Saúde. O uso de agrotóxicos não se limita à plantação na qual é aplicado – ele contamina o ar, o solo e a água. Para além do impacto causado na biodiversidade, os efeitos disso na vida humana não são irrisórios, já que os agrotóxicos podem ser agentes carcinogênicos, teratogênicos, mutagênicos e afetar a reprodução dos mamíferos. O instituto global de doenças autoimunes já divulgou diferentes notas e estudos sobre como os pesticidas podem influenciar o desenvolvimento desse tipo de doença em humanos. É devido a esses e outros efeitos colaterais que muitos pesticidas são proibidos em diversos países, mas, infelizmente, ainda utilizados e legalmente aceitos no Brasil.
Nos últimos cinco anos, 2.736 novos agrotóxicos foram registrados no Brasil. O ano de 2022 bateu o recorde da série histórica registrada pelo Ministério da Agricultura desde 2000, com o registro de 652 novos agrotóxicos. No primeiro ano de governo Lula, já houve uma redução de 15% em relação a 2022. Espera-se que a nova Lei dos Agrotóxicos não seja um impedimento para que o processo de inversão desse gráfico continue acontecendo.
Temos, sim, a necessidade de alimentar a população e, também, compreende-se a relevância do papel exportador do país. Contudo, deveria ser ainda mais importante o compromisso em produzir alimentos saudáveis e prezar por um tipo de mudança sistêmica pautada no desenvolvimento da agroecologia e da preservação da biodiversidade – preservação da vida.
Não é a primeira vez que escrevo sobre isso, e faço questão de repetir: não faltam exemplos de como é possível adotar diferentes estratégias de produção alimentar, utilizando menos agrotóxicos e preservando conscientemente os recursos naturais. O MST produz toneladas de arroz (e não só!) sem a utilização de fertilizantes e pesticidas. Ao invés de aumentar a quantidade de pesticidas, poderíamos aumentar o incentivo à produção de tecnologia e à adoção de práticas agrícolas que utilizem cada vez menos veneno. A agricultura de base orgânica – agroecológica – além de levar para a mesa do brasileiro (e não só!) uma comida mais saudável, protege a biodiversidade e sustenta práticas que colocam o país num cenário exemplar em termos de produção alimentar. Nesse momento, por conseguinte, cabe ao Congresso Nacional refletir se quer ou não contribuir para que o Brasil seja um país responsável por, em alguma medida, envenenar o mundo.
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