Por Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos*
Existem dezenas de estudos sobre a eficácia da cloroquina contra a covid-19. Poucos, entretanto, foram finalizados. E mesmo em relação a esses, os resultados não foram conclusivos.
Essa é a palavra da ciência: não há garantia de que a droga funcione, nem ao menos de que seja segura. Vários países do mundo, inclusive, suspenderam sua utilização.
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Apesar disso, por falta de outra abordagem terapêutica, muitos médicos têm feito prescrições do medicamento, o que até pode ser razoável em um ambiente milimetricamente calculado. Neste cenário, é fundamental, evidentemente, que se estude os expressivos efeitos colaterais deste medicamento frente a eventuais comorbidades. Discussão técnica. Científica. Com rigor, método e metodologia.
Por outro lado, quando o presidente da República ocupa espaço em cadeia nacional de rádio e televisão para vender uma esperança de cura baseada em experiências incompletas, a história é outra…
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Mais do que mera irresponsabilidade, este ato pode trazer consequências muito graves e irreversíveis.
O Presidente parece não se dar conta disso…
Determinou, inclusive, que o Exército Brasileiro produzisse grandes quantidades deste duvidoso “remédio”. Em coro com o presidente norte-americano, deus ares milagrosos à suposta descoberta.
Há paralelos na história recente da humanidade…
No final da década 50, quando uma outra gripe, a Influenza, ameaçava a Europa, um laboratório farmacêutico alemão ganhou mercado com um fármaco antigripal que parecia inovador e adequadamente apropriado para o enorme desfio que se apresentava.
Mais tarde, a mesma droga foi reapresentada como um poderoso sedativo e tornou-se um sucesso de vendas em vários países. Até que começaram a surgir relatos preocupantes sobre crianças que nasceram com graves más-formações congênitas.
São os filhos da talidomida, a droga que nasceu para tratar de resfriados e que acabou ganhando outras utilidades sem estudos que atestassem sua segurança.
São quase 10 mil crianças atingidas, cujas mães fizeram uso da droga durante a gestação. A tragédia só não foi maior porque o governo americano não autorizou o uso do medicamento, alegando que não existiam evidências científicas de que seu uso era realmente seguro.
Entre a ciência e a promessa, com sinais muito confusos e até mesmo contraditórios, Bolsonaro se posicionou como mascate da esperança.
Além de uma gripe ameaçadora e de um medicamento usado de forma experimental, há um outro ponto dessa história que se cruza com a da talidomida: a poderosa “arma” da propaganda.
A indústria investiu pesado em mídia para demonstrar que a talidomida era segura. No Brasil, a droga foi apresentada em anúncios dos jornais de maior circulação, em folhetos e em amostras para médicos. Muita propaganda, pouca ciência e pelo menos 10 mil vítimas. Até agora, a cloroquina de Bolsonaro é isso: muita propaganda , mais dúvidas do que certezas e nenhuma conclusão científica. O que virá a seguir, ninguém pode efetivamente dizer.
O clã Bolsonaro nunca fez questão de mostrar apreço pela ciência, e muito menos pela democracia. Disso todos nós já sabemos. Mas sua peroração pró-cloroquina tem muito a dizer sobre seus métodos de fazer política.
O exemplo é fresquinho. Nessa semana, um representante do clã foi ao Twitter para ”denunciar” que a ex-primeira dama Marisa Letícia teria 256 milhões de reais investidos em CDBs do Banco Bradesco.
Seria cômico se não fosse repugnante. Mais uma vez atentaram contra a memória de alguém que em vida já havia sentido o peso da injustiça …
Segundo os combativos advogados que atuam no caso, Valeska Teixeira e Cristiano Zanin, os bens que integram o espólio de D. Marisa, e que já deveriam ter sido partilhados inclusive, “foram apresentados nos autos do inventário e constam das últimas declarações protocoladas em 02/03/20020, nos termos da lei.
O despacho proferido em 06 de abril faz referência, por equívoco, a escrituras de debêntures que o próprio Juízo reconhece não ter relação com os bens a partilhar “não há debêntures a partilhar, quer em nome da falecida, quer em nome do inventariante”.
Os carneirinhos do rebanho digital do “gabinete do ódio” replicaram a informação sem fazer questionamentos, até que o assunto se tornou um dos mais discutidos nas redes sociais por alguns momentos. Os tais milhões não existem, e jamais existiram, mas qual dos “Bolsonaros” se importa realmente com a verdade?
Se o pai tem a ousadia de ocupar a TV para destilar ódio, contrariar as orientações da Organização Mundial da Saúde e para pregar ao Brasil o uso de um tratamento medicamentoso experimental, o que se pode esperar de sua entourage ?
Provavelmente, as contas dos familiares do ex-presidente Lula já foram muito mais estudadas do que a cloroquina de Bolsonaro. Há décadas, o Ministério Público, inúmeras CPIs, a Força-tarefa da Lava Jato e a própria Polícia Federal em diversas outras operações vasculham documentos e informações. Pirotecnias dos mais variados tipos e espécies não foram capazes, no decorrer dos últimos anos, de dar suporte probatório mínimo para as criativas teses de acusação…
Entretanto, com o avanço da politização do judiciário e da judicialização da política, a condenação criminosa do ex-presidente Lula o levou indevidamente à prisão por longos e sofridos 580 dias. A esperança é que o episódio possa, de alguma forma, promover uma ampla e profunda reforma no nosso Sistema de Justiça.
Bolsonaro precisa se informar sobre a talidomida e sobre como alguns funcionários do serviço de saúde dos Estados Unidos foram fundamentais para evitar uma tragédia ainda maior. Ele poderia aprender com a história e talvez assim acabasse convencido de que é preciso ter mais cautela quando a saúde de uma nação está em sua mãos. Mas talvez ele até já conheça essa história.
Talvez isso seja tudo que ele possa dar em uma crise… comportar-se como o garoto propaganda de um remédio em um programa de auditório…
No Brasil, o desafio é combater o vírus , o ódio , a intolerância e a idiotice. Tarefa árdua, sobretudo por contar com a militante e disciplinada oposição do chefe da nação.
Oremos!!!
*Marco Aurélio de Carvalho é sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), conselheiro do Sindicato dos Advogados de São Paulo, sócio fundador do CM Advogados e especialista em Direito Público.
*Fabiano Silva dos Santos é advogado mestre e doutorando em Direito.
De uma coisa eu tenho certeza, esse remédio destrói o fígado. Tive malária uns anos atrás e precisei fazer uso Cloroquina, mas, mesmo tomando Legalon, junto, fiquei muito mal, até hoje tenho problemas hepáticos, infelizmente.