O presidente Rodrigo Maia, ao retirá-la de pauta semana passada, cumpriu seu compromisso com os ambientalistas e a oposição e apesar dos 342 votos favoráveis à votação da MP 910 a retirou de pauta. No entanto, assumiu outro compromisso inversamente oposto, dessa vez com a frente agropecuária e o governo. Afirmou que um novo PL (o PL 2633) deve ser votado nessa 4ª feira?
>Ministro decidirá sobre sigilo de vídeo de reunião ministerial até sexta
Não me parece razoável supor (embora fosse meu confessado desejo) que haja razão objetiva para o presidente Maia descumprir o novo compromisso com mais de 2/3 do Plenário, se mesmo sem 1/3 dos votos, ele cumpriu o compromisso com a oposição.
O texto do Deputado Zé Silva (PL 2633), que sucede a MP 910 é mediado, não é perfeito, tem problemas, pode ser melhorado, mas não endossa os piores retrocessos propostos pela MP 910. Isso é verdade.
Leia também
No entanto, a proposta além de dispensável em vários aspectos (não todos) não cria nenhum mecanismo efetivo para conter e punir adequadamente quem grila e desmata ilegalmente. A mera inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não existe em função da MP ou do novo PL, não efetiva controle ambiental.
Sabe-se que cerca de 50% dos desmatamentos ilegais estão acontecendo dentro de áreas cadastradas no CAR sem qualquer punição efetiva.
Assim, o novo PL, ao não fortalecer o controle, acaba sendo omissa com as ocupações ilegais ao criar meios e processos negociados administrativamente inclusive para regularizar áreas objeto de crimes ambientais (desmatamento ilegal de áreas de preservação permanente e reservas legais), mesmo em pequenos e médios imóveis (até seis MF).
Dito isso, a ameaça real, e a maior probabilidade é de que a proposta do deputado Zé Silva a ser supostamente votada nessa 4ª feira (20) em Sistema de Deliberação Remota, permitirá que todos os retrocessos e dispositivos que incentivam e premiam grilagem e desmatamento, exaustivamente examinados (AQUI) podem ressurgir no Plenário sem qualquer condição de debate razoável e racional. A força do novo centrão, somada com a frente ruralista e o governo vai se empenhar em ressuscitar os piores pesadelos da MP 910.
As maiores ameaças do ponto de vista socioambiental oriundas do texto original da MP 910, e referendadas ou pioradas pelas versões do relatório do senador Irajá Abreu são:
(i) a alteração do marco temporal, atualizando-o para maio de 2014 ou até dezembro de 2018;
(ii) o aumento da área dos imóveis com dispensa de vistoria para 15 mF (até 1.650 hectares) ou até mesmo para 2.500; e
(iii) ambiguidades e lacunas nas salvaguardas relativas a desmatamentos ilegais de APP e RL em vários dispositivos ao longo do PL.
Todas as ameaças acima referidas foram examinadas a fundo na Nota Técnica do IDS que publicamos cm este artigo (AQUI).
Elas podem retornar ou surgir no texto da lei por emendas feitas direta e subitamente em Plenário (Sistema de Deliberação Remota) apresentadas até os últimos minutos que antecedem a abertura do regime de votação, sem qualquer debate prévio e contrariando os poucos debates e diálogos havidos até aqui.
O risco de revés no Senado também deve ser considerado. Há uma tendência natural do senador Irajá Abreu, que patrocinou alguns retrocessos graves inclusive em relação à MP 910, requerer a relatoria. Seu relatório só não foi votado (por um dia) porque as sessões em comissão foram suspensas em função das limitações impostas pelo enfrentamento do covid-19.
O risco de um duro revés é ainda maior, mesmo que seja aprovado na Câmara e no Senado um texto mediado, pois todas as garantias e salvaguardas ambientais negociadas no parlamento poderão ser vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro.
É público e notório que o presidente da República está sendo guiado, neste assunto, pelo secretário de Regularização Fundiária Nabhan Garcia do MAPA. Ambos (presidente e secretário) já demonstraram em incansáveis oportunidades e medidas administrativas vigentes a total falta de apreço, respeito e responsabilidade socioambiental.
Diante do exposto, tanto em relação aos problemas de mérito mas sobretudo em função dos consideráveis riscos de desfiguração do texto em votação remota e de vetos às salvaguardas socioambientais RECOMENDAMOS:
Que o governo atenda 95% dos beneficiários (até 4 MF) com a dispensa de vistoria, via norma infralegal, com base na legislação vigente, e à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 4.269; um processo mais aberto e transparente de consulta e busca de consensos, fora do regime de votações remotas, para dar tratamento estruturante e seguro aos legítimos posseiros de boa-fé detentores de imóveis com área superior a quatro módulos fiscais;
quando o PL for votado (reiteramos que não deveria ser votado por Sistema de Deliberação Remota em meio à pandemia) recomendamos que se mantenha o marco temporal vigente e limitando a dispensa de vistoria aos imóveis com até quatro MF, com as correções aqui sugeridas relacionadas às salvaguardas ambientais para verificação de desmatamento em APP e RL por imagens de satélite, independentemente de embargo e autuação;
e o tratamento aos demais imóveis, com área acima de quatro MF que representam menos de 4% dos imóveis em processamento no INCRA e menos de um terço (32%) da área sob análise, pode ser debatido, mediante ampla escuta e o desenvolvimento de uma proposta estruturante que inclusive aborde os cerca de 50 milhões de hectares de terras públicas ainda não destinadas, dos quais mais de 90% se encontram na Amazônia legal brasileira, juntamente com soluções definitivas para as terras indígenas, quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais.
A sociedade clama aos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre que não incorram no erro grave de assumir a responsabilidade por ressuscitar a MP de Grilagem em PL de Cordeiro!
Deixe um comentário