Quando o assunto é meio ambiente, já nos acostumamos a ver este governo agir sem avaliação complexa dos fenômenos naturais, sem consideração à vida da população vulnerabilizada que vive nas áreas de risco e em benefício daqueles que insistem em atividades espúrias. Nesta – e em muitas outras questões – o objetivo do governo Bolsonaro é sempre muito claro: abrir brechas na lei para que “passe a boiada”, expressão que já virou clássico ao se referir às atitudes do Planalto – ou seja, para que os seus aliados do ávido Centrão e seus assedas mais fiéis usufruam dos benefícios das porteiras abertas dos cofres públicos.
Com a aprovação, pelo Senado, do PL 2.510/2019 – projeto de lei que prevê alterações no Código Florestal para permitir que os municípios e o Distrito Federal definam, por meio de lei municipal ou distrital, o tamanho das margens dos rios e córregos nas áreas urbanas onde não será permitida ocupação – a história se repete. Aqui, pensando na frequente ocupação das áreas de manancial das principais capitais pelo crime organizado ou pelas milícias, é muito fácil encontrar os beneficiários deste PL.
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De acordo com o projeto alterado pelo Senado, que agora retorna à Câmara dos Deputados, as larguras mínimas das faixas marginais de rios nas cidades, tais como estabelecido na lei de 2012, podem ser diminuídas até a metade com a finalidade de regularizar invasões já realizadas, embora a proibição continue valendo para novas determinações. Com isso, poderiam ser flexibilizadas as restrições à construção de edificações às margens de rios em áreas urbanas.
Mas, para além da regularização de atividades “não republicanas”, coloquemos assim, chamo atenção, mais uma vez, para o que é proposto no contexto da emergência climática que vivemos agora. Todo morador de São Paulo já aprendeu – ou deveria ter aprendido – que domar rios é tarefa impossível. Não só convivemos com as constantes cheias do Tietê e do Pinheiros, como a cidade de São Paulo possui, catalogadas, 186 bacias hidrográficas, ou 200 cursos d’água, a maioria deles subterrâneos e constantes focos de cheia: na zona Oeste, os rios Verde, Água Preta, Pirajussara e os córregos Iguatemi e Antonico; o Saracura, que nasce perto da Avenida Paulista; no Centro, os rios Itororó e Pacaembu; o córrego da Traição, sob a Avenida Bandeirantes; o córrego da Água Espraiada, sob a Avenida Roberto Marinho; o rio da Mooca, sob a Avenida Anhaia Mello; e o rio Tatuapé, sob a Avenida Salim Farah Maluf.
A permissão de redução das faixas marginais de qualquer curso d’água é, assim, a institucionalização da roleta russa com a vida de pessoas pobres em situação de vulnerabilidade social. Regularizar ocupações para além das faixas estabelecidas é autorizar a construção de inúmeros Jardins Pantanal às margens de um indomável Tietê, que alaga frequentemente.
Para além da regular frequência veraneia dos alagamentos, vemos a intensificação dos eventos climáticos extremos ligados ao excesso de chuvas em cabeceiras e cursos de rio pelo Brasil todo se agravar e causar mais e mais tragédias humanas e sociais. Todos estamos chocados com o que aconteceu no sul da Bahia devido ao volume de chuvas que a região Sul do estado tem acumulado diariamente, de cerca 80 mm a 100 mm.
Para se ter uma ideia da virulência do sistema de chuvas que se formou, em Itamaraju choveu cerca de 527 mm nos primeiros dez dias de dezembro deste ano. Nesse mesmo período de 2020, foram apenas 13mm. Em Jurucuçu, os rios Gado Bravo e Jucuruçu transbordaram, deixando milhares desabrigados e sem acesso a mantimentos básicos pela interrupção de acessos e fornecimento de energia elétrica. Diante disso, o que acabamos de ver no Sul da Bahia até que é “comum”.
Desafiando a natureza, o caminho da emergência climática nos aponta soluções diametralmente opostas ao da regularização de ocupações do jeito que está prevista na lei. Ao invés de estabelecer limites para as margens dos rios, a solução está no investimento para tornar os solos cada vez mais permeáveis – os chamados “jardins de chuva” -, na redução dos adensamentos e no respeito aos fenômenos naturais.
E para os interessados em lucrar com a especulação imobiliária em áreas de risco, que fique muito claro: não há busca de lucro em atividades criminosas de “fora do sistema”. O produto da venda de imóveis em ocupações ilegais não se chama lucro, se chama roubo. É para esses que governa a nossa administração federal. Não estamos falando em livre inciativa: ao empresário sério não compensa matar afogado o seu consumidor.
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