Já se falou que tempos de crise são ruins – porém oferecem oportunidades. Ensejam reflexões. Quebram culturas tão estabelecidas quanto indesejáveis. Ao contemplar a aurora da pandemia causada pelo novo coronavírus (covid-19), enfrentada pela humanidade com sacrifícios imensos, fico a pensar nisso.
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Inicio pela resistência da administração pública quanto ao trabalho remoto. Desde que corretamente fiscalizado poupa recursos e aumenta a produtividade, conforme fartamente constatado junto a diversas empresas privadas. Já dispomos de farta tecnologia para implementá-la, com ganhos incríveis – mas permanecemos na imobilidade.
Contemplando o mundo das profissões percebo que temos verdadeira paixão por aviões. São reuniões e mais reuniões, eventos e mais eventos, às custas da movimentação custosa e ineficiente de tantas pessoas – que bem poderiam estar em suas cidades! Contemplo minha vida profissional: muitas viagens a trabalho que fiz poderiam ter sido evitadas se tecnologias hoje simples e baratas tivessem sido aplicadas.
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Temos, ainda, fixação pelo comparecimento pessoal – isto tanto no universo público como no privado. De cartórios a bancos, de repartições públicas a empresas, insiste-se ainda no atendimento presencial em tempos de internet – uma cultura a ser revista.
E as economias? Terão percebido não ser prudente confiar em uma única matriz, seja lá do que for? Seja na produção ou nos transportes, há que existir uma via alternativa. Eis aí algo particularmente relevante para um país cuja economia continua a depender sensivelmente do exterior, apesar de instalada sobre um solo tão amplo e rico. Que insiste em transportar suas cargas quase que exclusivamente por caminhões, negligenciando meios infinitamente mais seguros e econômicos. E por aí vamos.
PublicidadeDedico minha derradeira reflexão à administração pública. Sabemos ser muito melhor prevenir que remediar. E uma epidemia, tão prevista como previsível, escancarou a fraqueza dos Estados – simplesmente não estavam preparados, seja sob que aspecto for. Insistimos na cultura do dia-a-dia e da improvisação.
Não faz muito tempo o jornalista francês Émile de Girardin brindou-nos com uma sábia reflexão: “Todos falam de progresso mas ninguém sai da rotina”. Pois é. Em tempos de rotina interrompida, que tal tratarmos do progresso?
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