Um dos dias mais nervosos do mercado financeiro nos últimos anos, esta segunda-feira (9) tornou ainda mais incerto o futuro das reformas e da pauta econômica do governo no Congresso. A disparada do dólar no Brasil, a queda dramática das Bolsas em todo o planeta, o alastramento do coronavírus e a redução do preço do petróleo ampliaram o desafio do governo no Parlamento exatamente em um momento em que o Planalto tem estimulado protestos contra a Câmara e o Senado.
Parlamentares, analistas políticos e de mercado ouvidos pelo Congresso em Foco consideram ainda prematuro cravar o que ocorrerá. Entendem que o alcance da crise só será medido nos próximos dias, mas consideram inevitável que o Executivo melhore sua relação com o Legislativo para avançar com sua pauta econômica.
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A agenda econômica, contudo, não se restringe às reformas, como a administrativa e a tributária, cujo envio foi adiado várias vezes. Alcança também propostas de emenda constitucional de corte de gastos, como as PECs do Mais Brasil (Emergencial, Pacto Federativo e Fundos), em andamento no Senado, a autonomia do Banco Central, as privatizações, entre outras iniciativas.
Para o cientista político e economista Ricardo de João Braga, ver nas reformas uma solução de curto prazo é um “argumento bastante frágil”.
“Reformas demoram ao menos um pouco a serem feitas e seus efeitos são de médio e longo prazos. Por exemplo, reforma tributária demora meses, anos para começar a dar efeitos em diminuição dos procedimentos burocráticos e transições para novos tributos mais simples. A reforma administrativa pregada, que ainda não conhecemos, da mesma forma: vai impactar os novos servidores etc. Isso demora a dar resultado prático”, afirma Ricardo, que também é analista do Farol Político, serviço premium do Congresso em Foco.
Desarticulação política
Ele ressalta que não é de se esperar que a oposição e grupos organizados, como setores econômicos contrários à reforma tributária e servidores públicos que querem manter seus rendimentos, mudem suas estratégias porque uma crise aumentou de intensidade.
“Não podemos esquecer que se o jogo Executivo-Legislativo estivesse sendo jogado da forma usual, tradicional, as reformas já seriam difíceis, isto é, se houvesse um esforço do Poder Executivo em coordenar ações as dificuldades seriam grandes. Agora, com o Executivo ausente da articulação, e pior ainda, insuflando uma manifestação contrária ao Legislativo, a coisa piora. Num contexto como esse, aqueles contrários ao Executivo, ao governo, e a Bolsonaro, têm a vantagem de ‘jogar parado’, como se diz no futebol. Quem precisa imensamente de ajuda agora é o Executivo”, observa.
Na avaliação do professor Frederico Gomes, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) em Brasília, o governo deveria considerar a atual turbulência global para distensionar a relação com o Congresso em nome da agenda econômica. “É uma oportunidade para que esses agentes se entendam e caminhem na mesma direção. Reformas como essas são fundamentais para blindar o país contra efeitos de uma crise dessa magnitude. Pode servir para pressionar o governo a entrar em entendimento com o Congresso”, avalia o economista.
Defesa e cobrança
Em discurso para empresários nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro defendeu o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Honrar compromissos, buscar retaguardas jurídicas e garantias. Temos, na pessoa do nosso ministro da Economia um homem conhecido dentro e fora do Brasil, o senhor Paulo Guedes, e às suas políticas econômicas somos leais e buscamos implementá-las de todas as formas. Estamos mostrando que estamos no caminho certo. Aqui nos EUA estamos mostrando isso.” O futuro do ministro está incerto, como mostraram o Farol Político e o Congresso em Foco, na última sexta (6).
Fiador da agenda econômica liberal, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o Congresso está à disposição para ajudar o governo a enfrentar a crise econômica, cobrou o envio das reformas, mas ressaltou que a pauta do Executivo precisa ir além dessas propostas.
“Eu preciso que esse encaminhamento seja coordenado pelo Poder Executivo, pelo presidente da República e pelo ministro da Economia”, disse Maia ao participar do Encontro Anual Educação Já, em Brasília. O deputado foi mais enfático em mensagem no Twitter. “Se agora os poderes da República agirem em harmonia e com espírito democrático, esta crise pode virar uma oportunidade de se somar forças em busca das soluções necessárias e urgentes”, escreveu.
Ato contra o Congresso
A suspensão dos atos convocados por apoiadores de Bolsonaro para o próximo domingo (15) contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma das estratégias vislumbradas por aliados do presidente para tentar reduzir danos na relação entre o Executivo e o Legislativo. Bolsonaro, porém, ainda não anunciou o que vai fazer.
Vice-presidente da comissão mista da reforma tributária, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) acredita que o Congresso levará a discussão adiante, independentemente da crise global. Para ele, há risco de as manifestações contaminarem essa disposição. “Isso vai depender de qual será o foco das manifestações e o seu grau de responsabilidade. Existem alguns grupos investindo nessas manifestações para que não tenhamos as mudanças no sistema tributário. São justamente aqueles que ganham com o modelo atual.”
Aliado de Bolsonaro, o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), considera estranha a convocação feita pelo presidente aos atos de 15 de março. Olimpio diz não acreditar que a intenção dele seja colocar a população contra o Congresso. Para ele, Bolsonaro ainda vai recuar no apoio aos protestos por causa do risco de disseminação do coronavírus com as aglomerações.
“Eu apoio qualquer manifestação democrática. Conteúdo da manifestação pró governo, pró Brasil lógico que eu apoio e vou apoiar sempre. Vou acreditar que o próprio presidente vai fazer chamamento, em função do coronavírus, de que se mude para um outro momento a manifestação. É claro que eu não vou para manifestação nenhuma contra poder constituído, contra o Congresso ou contra o Supremo”, afirmou ao Congresso em Foco.
Sem propostas
Para o líder do PSL, o governo ainda não tem propostas para as reformas tributária e administrativa. “Se amarrasse os projetos nas costas de uma tartaruga manca, já tinha dado tempo de chegar do Executivo para o Legislativo. Não acho que seja timing, eu acho que não tem projeto”, declarou.
Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) repetiu o tom adotado mais cedo nesta segunda-feira (9) pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e disse que o pânico no mercado mundial é um incentivo para acelerar a tramitação das reformas. “Todo mundo fica apreensivo, mas a apreensão se resolve com trabalho”, disse. “Agora é preciso fazer as reformas, dar as condições de trabalho para o presidente”, completou.
“Parlamentarismo branco”
O economista André Sathler considera que ainda é cedo para avaliar o real impacto da crise desta segunda-feira sobre a agenda legislativa. Para ele, há dois sinais a serem observados. “Por um lado, essa crise de hoje torna o Congresso mais sensível à urgência das reformas. Por outro, a cada dia há uma mais má vontade do Congresso com o governo”, afirmou. Um dos analistas do Farol Político, André lembra que o Guedes disse hoje que se as reformas estivessem aprovadas a situação poderia ser melhor. Mas o próprio governo não mandou as reformas tributária e administrativa.
Ricardo de João Braga considera que o cenário de crise econômica pode mostrar os limites do chamado “parlamentarismo branco”, que muito se discute no Brasil. “O parlamentarismo implica poder do Parlamento e responsabilização do Parlamento – as duas coisas andam juntas. Hoje, no Brasil, o Parlamento aumentou sua força e determinação sobre os rumos do governo, mas um elemento importante para ele se mover é a responsabilização sobre o estado de coisas. Se a população entender que cabe ao Legislativo fazer algo, sua determinação em fazê-lo é uma. Caso contrário, os incentivos são mais frágeis e pequenas questões podem controlar a pauta.
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