A recente onda de casos estarrecedores de violência contra a mulher expõe uma triste realidade que parece distante de transformação. A história de Juliane dos Santos Duarte, de 27 anos, chama atenção. Ela representava o estereótipo de vítimas de feminicídio: negra, homossexual e moradora de periferia. Foi raptada, ficou cinco dias desaparecida e seu corpo foi encontrado no início da semana passada.
Suspeita-se que sua morte se deva ao fato de ela ser policial militar, mas não é razoável desprezar a influência de todos os outros fatores para o trágico final. Impossível não relacionar esse episódio ao assassinato de Marielle Franco, alvo de quatro tiros na cabeça em março deste ano, em um crime que vitimou também seu motorista Anderson Gomes. Vereadora no Rio de Janeiro, Marielle era negra, homossexual, feminista, ativista dos direitos humanos e oriunda de uma das maiores favelas da cidade, o que a levou a ser considerada uma das principais vozes em defesa da população mais carente.
O caso Marielle já chegou aos 150 dias sem solução. Pelo menos outras duas mortes nos últimos dias completam este quadro dramático: a de Tatiane Spitzner, advogada de 27 anos, vítima de violência do marido registrada por câmeras de segurança do prédio em que caiu (ou, como tudo indica, foi jogada) do quarto andar no Paraná; e a de Carla Graziele, possivelmente jogada pelo marido do terceiro andar do prédio em que morava em Brasília.
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Tudo isso na mesma semana em que o país celebra 12 anos de vigência da Lei Maria da Penha, um gigantesco passo na cansativa batalha pela garantia de direitos às mulheres e no combate à ignorância, ao preconceito e à prevalência da lamentável “lei do mais forte”.
Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340 representa um marco para a proteção dos direitos femininos. É um importante instrumento que tornou mais rígida a punição por qualquer tipo de agressão cometida contra a mulher, o que deu mais segurança e motivou o aumento de denúncias pelas vítimas, antes amedrontadas. Além da Lei Maria da Penha, outras medidas foram tomadas nos últimos anos na intenção de proteger os direitos da mulher e sua integridade física e moral. Em 2015, por exemplo, foi criada a Lei do Feminicídio, que é o crime praticado contra a mulher por razões de gênero, quando há violência doméstica ou familiar, sexual, mutilação da vítima ou emprego de tortura.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos mostram que foram registradas no primeiro semestre deste ano 73 mil denúncias, que abrangem um vasto repertório de crimes como cárcere privado, violência física, sexual, moral, ameaça de morte e feminicídio.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2017 foram registradas mais de 220 mil ocorrências de violência doméstica — ou 600 casos por dia. Só de feminicídios, foram 1.133 casos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2013 o Brasil era o quinto país que mais matava mulheres no mundo, entre 83 países pesquisados. Ficou atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
As estatísticas assustadoras não param por aí. O Mapa da Violência mostra que, em 2016, quase 5 mil mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. E o mais grave: essa realidade é ainda mais cruel quando a mulher é jovem e negra.
Ilka Teodoro, da Associação Artemis contra a Violência Doméstica Obstétrica, apresentou na semana passada, em audiência no Congresso Nacional, dados ainda mais alarmantes: no ano passado o Brasil registrou o nascimento de 162 mil bebês de mães que tinham entre 10 e 14 anos.
Para honrar tantas Marielles, Julianes, Tatianes e Carlas, a situação exige medidas drásticas, mudanças radicais de atitude, pensamento e comportamento. Mudar a forma de pensar, de enxergar uma realidade que exige comprometimento, engajamento e seriedade dos cidadãos. É fácil? Certamente não. Mas a semente precisa ser plantada e cuidada para que germine e dê bons frutos.
Um bom começo seria o Estado colocar em prática tudo o que determina a Lei Maria da Penha, especialmente no que diz respeito à implantação de espaços exclusivos para o enfrentamento da violência contra a mulher em todo o território nacional.
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