No início da greve dos caminhoneiros, os pedidos de intervenção militar não passavam de um detalhe pitoresco presente em faixas estendidas nos pontos de bloqueio ou áudios duvidosos que circulavam pelo WhatsApp. Parecia ser mais do mesmo: manifestações isoladas e de pouca repercussão de pequenos grupos de radicais direitistas a clamar pela quebra da ordem institucional.
No entanto, o prolongamento do movimento deixou patente que o apoio a tal ideia encontra respaldo em parcela não desprezível da população, a ponto de obrigar às autoridades virem a público para rechaçar tal possibilidade.
Só agora comecei a entender que o desejo por intervenção não era coisa de um bando de malucos, uma excentricidade qualquer como a de quem coleciona filmes em VHS e tem saudades do tempo do videocassete e do barulhinho da fita sendo rebobinada. No meu imaginário, aqueles que foram às ruas pela última vez para pedir os militares no poder eram uns simplórios carolas que acabaram sendo usados como massa de manobra na tristemente célebre Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
O que os movia não era só o medo de cair nas garras dos comunistas barbudos que comiam criancinhas, mas também o de verem seus filhos perderem suas virtudes cristãs ao som do diabólico rock’n’roll.
Cheiro de naftalina
Ainda no âmbito imagético, sem entrar na complicada questão do balanço histórico dos 21 anos de ditadura no Brasil, me vem à cabeça o desfile dos rostos dos presidentes-generais: a idade avançada, os semblantes fechados, a falta de carisma, aquele ar démodé que caracteriza o nosso atual chefe de Estado – líderes tão inspiradores e modernos quanto um Ford Del Rey!
Em termos de cultura e conhecimento, entre um Golbery “gênio da raça” e um Olympio Mourão “vaca fardada”, este me parece mais representativo do meio militar do que aquele – culpa, talvez, das minhas repetidas leituras do clássico Febeapá. Já do mestre Elio Gaspari aprendi que o respeito à ordem e à hierarquia nunca foi a regra durante o tempo que os militares se mantiveram no poder, sem falar na completa omissão quanto ao efetivo combate à corrupção.
A partir desse imaginário, fica realmente impossível entender qualquer apelo à volta dos militares como algo minimamente aceitável, quem dirá desejável. Mesmo diante de um governo que batalha sem tréguas para ser reconhecido como o pior do atual período democrático e de um cenário eleitoral nada animador, não consigo enxergar soluções aos problemas brasileiros que não passem pela manutenção e pelo aprofundamento do estado democrático de direito e pelo exercício da soberania popular por meio do voto e das liberdades políticas.
Como adverte o provérbio português, não se deve deixar o caminho por atalho – afinal, quem nos garante até onde este vai nos levar?
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