Há alguns dias, lá no Reino Unido, alguém teve uma ideia interessante: reduzir a números o cotidiano dos mendigos de Londres, umas das mais ricas e cosmopolitas cidades do planeta.
Os resultados obtidos fariam corar de vergonha qualquer povoado miserável dos mais atrasados países do mundo.
Só para começar a conversa, apurou-se que 79% deles já foram vítimas de agressões físicas causadas por discriminação – em 35% dos casos, foram socados e chutados. 9% deles já serviram de “banheiro” – dormiam em paz (eu disse “em paz”?) na sarjeta quando alguém decidiu urinar em suas faces. Em 34% deles foram arremessados pedras e objetos diversos. Se nos limitarmos às agressões verbais, 48% já foram ameaçados e 50% insultados. Constatou-se, ainda, que 54% deles já foram vítimas de roubos e 7% de violência sexual.
Mas talvez o mais triste seja a constatação de que o Estado foi acionado em apenas 47% dos casos – os miseráveis de Londres simplesmente não acreditam nas instituições que deveriam defendê-los, material e moralmente.Leia também
Mas deixemos o Estado para lá. Afinal, o que de mais chocante constatou-se foi mesmo a falta de sentimentos humanos de larga parcela da população – das pessoas comuns, pois. Aliás, talvez esteja aí a explicação da omissão estatal.
Abro a janela de minha casa. Olho para fora. Começo a recordar as notícias dos mendigos em cujos corpos jovens abastados atearam fogo, pelas avenidas de nossas mais ricas cidades, e episódios de agressões tão brutais que resultaram em morte. E subitamente dou-me conta de que Londres é lá, é aqui, é em todo lugar.
Com o espírito estremecido, saio à rua. Contemplo a cena rotineira de alguns miseráveis preparando-se para mais uma noite na sarjeta, sob o silêncio cúmplice de tantos, a embalar as gargalhadas de escárnio dos Estados.
Eis que aproxima-se e aninha-se, dentre eles, um cachorro. Um vira-latas. Manso, ali estava mostrando respeito e afeto, não para rosnar ou morder – afinal, ele era apenas um cachorro, não um ser humano impiedoso.
Enquanto isso, há poucos dias celebramos o Natal. Era meia-noite, quando os sinos dobraram. Ouso dizer, com o poeta John Donne, que eles dobravam pela raça humana – que deveria, recordando Thomas Jefferson, mostrar temor diante de um Deus que, acima de tudo, é justo. Simplesmente justo.
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