Ricardo Ramos
Se a Polícia Civil de São Paulo não tem dimensão de quanto o Primeiro Comando da Capital (PCC) movimenta com roubos, seqüestros e tráfico de armas e drogas, a Polícia do Rio de Janeiro tem essas contas na ponta do lápis. Levantamento da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil fluminense, feito em julho de 2003, estima que o comércio de maconha e cocaína nas 10 principais localidades dominadas pelo Comando Vermelho (CV) e pelo Terceiro Comando (TC) chegue a R$ 436,44 milhões por ano.
Segundo relatório em poder da CPI do Tráfico de Armas, o CV comandava, naquele ano, os morros mais rentáveis, como a Rocinha (R$ 10 milhões por mês), o Complexo do Alemão (R$ 4 milhões) e a Mangueira (R$ 3 milhões). A facção movimentava cerca de R$ 22 milhões por mês com o tráfico de cocaína e maconha – nada menos do que R$ 264 milhões por ano (veja o quadro).
O Terceiro Comando, por sua vez, controla, entre outros, o comércio do Complexo da Maré (R$ 5,5 milhões por mês). Juntamente com outros nove pontos, arrecadaria R$ 14,37 milhões por mês, o que dá um faturamento anual de R$ 172,44 milhões.
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O comércio do Comando Vermelho é maior por causa da preferência por comercializar cocaína nos morros comandados pela facção. Por mês, nos seus principais pontos, o CV vende cerca de 245 quilos do chamado "pó" e 1,7 tonelada de maconha. O TC, por sua vez, repassa mensalmente 212 quilos de cocaína e 2,640 toneladas de maconha.
Em 2002, a imensa maioria da droga que abastecia os morros controlados pelo CV vinha de fora do país num negócio que envolvia o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Polarização
Nascido em 1979 dentro do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande (RJ), o Comando Vermelho é a facção criminosa mais antiga do Rio de Janeiro. Hoje, segundo a polícia, todos os seus grandes "chefões" estão presos ou mortos, o que fez os jovens ascenderem ao poder nas ruas, o que, por conseqüência, tornou as áreas por ele dominadas as mais violentas do estado.
Já o Terceiro Comando foi criado em Bangu I, em 1994, após a prisão de alguns "donos de boca de fumo" que não eram ligados ao CV e que se consideravam "neutros". A criação de uma nova entidade foi a alternativa encontrada por eles para se proteger dos presos ligados ao Comando Vermelho. A facção é dominada por Paulo César dos Santos Silva, o Linho.
Em 2003, o CV comandava 58% do tráfico, enquanto o TC – ao lado da facção Amigos dos Amigos (ADA) – controlava outros 36%. O restante dos negócios estava em poder de grupos não identificados. Segundo a inteligência da polícia, a prisão de líderes do CV enfraqueceu a facção e fortaleceu a dupla TC/ADA.
Outro levantamento realizado na capital fluminense aponta 274 localidades que poderiam ser consideradas como pontos de venda de drogas e de lucratividade para o tráfico, situadas numa região que abrange 17 batalhões da Polícia Militar. No total, 152 eram dominadas pelo CV, 73, pelo Terceiro Comando, 25, pela Amigo dos Amigos, e 24, não tinham facção definida. Mas uma briga interna entre traficantes do Terceiro Comando provocou uma nova dissidência. Um dos principais líderes da organização, o traficante Paulo César dos Santos, o Linho, criou o Terceiro Comando Puro (TCP).
PCC no Rio
O relatório em poder da CPI também revela que o PCC atua conjuntamente com o CV no Rio. As principais áreas de influência da dupla são o Complexo do Jacarezinho, o Complexo do Alemão, a Cidade de Deus e a Mangueira. As duas organizações também têm ascendência sobre as favelas do Barbante e da Vila Carioca. De início, a ligação entre o PCC e o CV era feita pelo traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, preso em Bangu, e assassinado em julho de 2003.
As duas grandes facções criminosas dominam o tráfico de drogas nos bairros e favelas da capital fluminense, impondo o terror por meio de armamento pesado e sofisticado. Para se ter uma idéia, quatro anos atrás a polícia estimava haver 300 armas, das quais, 200 de grosso calibre, em circulação no Complexo do Alemão.
Esse armamento é usado para cuidar das 42 bocas-de-fumo (local dentro do morro ou da favela onde os traficantes passam a droga para os distribuidores) e "esticas" (posto avançado das bocas-de-fumo da favela no asfalto, geralmente ocupado por moradores). Entre as armas utilizadas, estão fuzis de uso restrito dos exércitos americano (AR-15 e M-16), russo (AL-47) e brasileiro (FAL).
O relatório produzido pelo governo do Rio – encaminhado à Comissão de Segurança Pública da Câmara e repassado à CPI do Tráfico de Armas – foi redigido por Astério Pereira dos Santos, então secretário de Administração Penitenciária do estado, que batizou o documento como uma "Análise do Crime Organizado e o Sistema Penitenciário fluminense". Segundo o ex-secretário, a maioria dos crimes cometidos no Rio está ligada, em última análise, com o tráfico ou uso de drogas.
Apesar de reconhecer a força do armamento bélico usado pelos traficantes, Astério diz ser um exagero da "mídia, em geral, e até mesmo algumas autoridades" definir essas facções criminosas como "crime organizado". De acordo com ele, "a organização à qual se referem não passa de uma primitiva estrutura comercial."
Rota internacional
Segundo a "Análise do Crime Organizado e o Sistema Penitenciário fluminense", o Rio de Janeiro faz parte do tráfico internacional de drogas, "tendo em vista que há algum tempo o país teria deixado de ser uma mera rota de passagem da droga produzida na Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai, passando a constituir-se num mercado consumidor em constante crescimento".
Astério citou ainda conclusões da Organização das Nações Unidas (ONU) para afirmar que o Brasil seria o principal "corredor de exportação" da cocaína produzida na Colômbia, no Peru, na Bolívia e no Paraguai, cujo destino final seriam os mercados europeu e norte-americano.
De acordo com a polícia, a droga chega ao país pelas vias terrestre, fluvial e aérea. A maioria tem origem em áreas de plantações no Peru e na Bolívia e passa por refinarias na Colômbia e no Suriname. Em seguida, chega ao Amazonas, de onde parte em direção à Europa e aos Estados Unidos. A droga boliviana também é refinada, em outra rota, no estado de Rondônia, de onde é transportada para as regiões Sul e Sudeste do país.
"Grande parte da cocaína iria para São Paulo em aviões que pousam em pistas clandestinas e seria distribuída para o Rio de Janeiro, pela via Dutra ou estradas alternativas, o que pode ser comprovado pelas inúmeras apreensões realizadas pela Polícia Federal na via", revela o documento.
Apesar das toneladas de drogas vendidas no Rio de Janeiro e em outras capitais, o Brasil é considerado pela ONU como "consumidor secundário". Mas seria o "principal produtor e fornecedor de insumos químicos para a transformação da coca". O texto aponta outras brechas que facilitam o narcotráfico no país: a permeabilidade das fronteiras, o grande número de pistas de pouso clandestinas e a existência de uma densa malha viária, hidroviária e portuária.
Entrada da droga
Segundo o relatório, o tráfico de entorpecentes foi "descentralizado" nos últimos anos pelos traficantes para prevenir a "ação policial, como o fornecimento de pequena quantidade de tóxico a seu ‘gerente de vendas’ (responsável pela venda), o rodízio entre os integrantes da equipe de vendas, com o objetivo de não incorrer em solução da continuidade na comercialização do entorpecente, em caso de prisão do gerente ou de seus auxiliares."
"Pouco se tem registrado no Estado o uso de drogas sintéticas, provavelmente em razão do perfil do usuário, que provavelmente pertenceria à classe social e econômica mais elitizada", diz o documento.
De acordo com o ex-secretário de Administração Penitenciária do Rio, parte do lucro da venda de cocaína seria usada para comprar "armas para os soldados do tráfico, que também acabam sendo alugadas para quadrilhas que assaltam bancos e roubam cargas, bem como financiar ações violentas de resgate de presos em delegacias e unidades prisionais do Sistema Penitenciário fluminense".
Mas, com a repressão policial dos últimos anos, os traficantes deixaram de esconder suas armas nos morros. E cada um ficou responsável pelo seu armamento. "Assim, as quadrilhas adotaram uma nova estratégia: cada bandido seria responsável por sua arma. Armamento novo só seria comprado quando houver necessidade." Na época, Fernandinho Beira-Mar, além de trazer a droga do exterior, era o responsável por abastecer o Comando Vermelho com armamento das Forças Armadas. Já no Terceiro Comando, Paulo César dos Santos, o Linho, valia-se de serviços de contrabandistas para ter acesso aos armamentos.
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