Virou lugar comum dizer que no Brasil vivemos tempos difíceis em diversos campos dos direitos fundamentais, dentre eles os direitos socioambientais. Um dos mais ameaçados.
Mas é preciso reconhecer que se as coisas não estão ainda piores, devemos em boa medida a todo arcabouço jurídico-legal construído pós-Constitução Federal (CF) de 1988. Claro que havia vida inteligente antes da CF de 1988. Tivemos os códigos (Florestal, de Fauna e da Água) na década de 1930 do século passado. Tivemos um dos principais marcos legais ambientais que foi a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal 6.938 de 1981, ainda vigente e que sustenta o combalido SISNAMA e o sistema de licenciamento ambiental no País. Essa lei também definiu originalmente a legitimidade do Ministério Público para a defesa do meio ambiente em juízo.
Destaco também a Lei da Ação Civil Pública Lei Federal nº 7.347 de 1985 que definiu a legitimidade das organizações da sociedade civil para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado e fortaleceu o instrumento processual de defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos.
A lista de Leis importantes pós CF de 1988 é consideravelmente ampla. Da Lei que criou o IBAMA em 1989 (Lei Federal 7.735/89), a 7.802 de 1989 (Agrotóxicos), até a Lei Federal 14.026 de 2020 (recém sancionada) que atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Passa por inúmeras outras, como o Código Florestal (Lei 12.651 de 2012), Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284 de 2006), Lei da Mata Atlântica (11.428 de 2006). Cito ainda a Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente (9.605 de 1998) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (9.985 de 2000).
Não poderia deixar de citar a Lei de gestão de recursos hídricos (9.433 de 1997), a Lei de Gestão de Resíduos Sólidos (Lei 12.305 de 2010) e da Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei Federal 12.187 de 2009). Certamente há muito mais, pois não pretendi com a lista acima ser exaustivo.
Citei apenas algumas para exemplificar como a sociedade brasileira evoluiu de maneira robusta, progressiva e consistente na regulamentação do sistema de gestão ambiental impulsionada pela nossa Constituição de 1988. Trata-se de um patrimônio inalienável e indisponível da sociedade brasileira.
Poderia citar aqui ainda mais de uma dezena de acordos internacionais relevantes ratificados pelo Brasil pós-88 e sobretudo pós Eco (Rio)92. Convenções de Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Convenção 169 da OIT, Protocolos de Kyoto, Aichi, Acordo de Paris e alguns assinados porem ainda não ratificados como Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe (Acordo de Escazú).
O fato é que houve avanços fundamentais e incontestáveis lastreados pela nossa constituição, não somente, mas sobretudo, pelo seu artigo 225. Merecem também destaque os artigos relacionados aos direitos indígenas, 231 e 232, absolutamente cruciais na defesa dos direitos culturais e sociais dos nossos irmãos povos indígenas que carregam em si toda história da nossa origem e, ainda hoje, são responsáveis pela proteção e segurança de mais de 12% do nosso território onde a natureza, os rios, as florestas e a biodiversidade se encontram exuberantes e protegidas nesse país.
O direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, bem de uso comum do povo já está sacramentado como um direito fundamental pela sua indissociável relação com os artigos 1º e 3º da nossa Constituição que tratam dos fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, e na promoção do bem de todos e no artigo 5º que trata do direito fundamental à vida.
Inúmeros julgados do STF abordaram ao longo desses mais de 30 anos a questão. Inclusive, ao longo do 33o ano de vigência da Constituição, que se inicia hoje, vamos tratar dos principais julgados relacionados a meio ambiente no STF, aqui nessa nossa coluna do Congresso em Foco, em formato de artigo ou em curtos vídeos.
Por hora, quero registrar aqui, como cidadão, meu sincero e profundo agradecimento, em nome dos ex-deputados federais Fábio Feldman e Márcio Santilli, a todos os que se envolveram, parlamentares ou não, nos debates, na formulação, negociação e aprovação dos dispositivos constitucionais socioambientais vigentes.
Olhando para frente, se eu tivesse que eleger duas prioridades constitucionais socioambientais para esse 33º ano de vigência da nossa constituição eu indicaria a aprovação das PECs 13/2015 e a 233/2019.
O explícito reconhecimento do direito ao meio ambiente como um Direito Fundamental no artigo 5º da nossa Constituição (objeto da PEC 13) embora não urgente ou decisivo, é mais do que justo, sobretudo se considerarmos que a jurisprudência já está consolidada na Suprema Corte brasileira.
A PEC 233 porque o desafio climático, como bem asseverou nosso amigo ex-deputado Alfredo Sirkis, é o desafio civilizatório desse século em matéria de bem estar e vida humana no planeta Terra. A nossa carta maior, nosso pacto social mais alto, deve reconhece-lo explicitamente, não apenas como um desafio ambiental, mas sobretudo relacionado à nossa Ordem Econômica e Financeira Nacional (art. 170), como propõe a PEC 233 assinada de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
Dois bons desafios para esse 33º ano da nossa Constituição não acham?
Em homenagem a essa data compartilho com vocês, essas quatro partes, dos melhores momentos do #PapoSemCracha (Roda de Conversa virtual) que organizei em agosto passado com o deputado Fábio Feldmann e a nossa amiga Suely Araújo,do Observatório do Clima, ex-presidente do Ibama, oportunidade em que tratamos a fundo do processo histórico da aprovação do artigo 225 na constituinte de 1986 (a 88).
Recomendo aqui aos que quiserem se aprofundar nessa análise o meu livro publicado em 2018, pela editora do IIEB: “30 anos da Constituição e os Direitos Socioambientais: histórias, avanços e desafios”.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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