Desde novembro do ano passado, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) se ligou oficialmente à Ordem Terceira de São Francisco, à qual foi apresentado pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.
Casado pela segunda vez, Simon tem a religião presente na família. A mulher dele, Ivete Fülber, trabalha com viciados em drogas em Brasília, ao lado de Lisle Lucena, filha do senador Humberto Lucena, morto em 1998.
Os quatro filhos do senador possuem nomes de apóstolos: Pedro, Tomaz, Tiago e Mateus – já falecido. Simon usa o exemplo de São Francisco para criticar Lula, apesar de se dizer admirador do presidente. “O Lula tinha tudo para botar em execução o ensinamento de São Francisco”, diz.
Ele critica, por exemplo, o Fome Zero. “É um zero”, diz. E aponta a principal falha do programa: “Não aproveitaram o que já existia e criaram uma burocracia do tamanho de um bonde”.
Conhecido no Senado por suas posições nacionalistas e ferrenho crítico do modelo neoliberal, Simon se espanta com a semelhança entre os governos Lula e Fernando Henrique. Para ele, o PT tomou a cartilha dos tucanos. Ele não engole o programa de privatização petista sob a forma das Parcerias Público-Privadas (PPP), em tramitação na Câmara .
“Esse PPP vai ser um carnaval. Nem li direito, mas o que tenho ouvido é uma loucura. O cara resolve, por exemplo, fazer uma obra para a prefeita Marta (Marta Suplicy) se reeleger em São Paulo. Entra uma empresa, não precisa fazer concorrência, paga quatro ou cinco anos depois. É uma loucura”.
Leia a íntegra da entrevista de Simon – concedida ao Congresso em Foco um dia antes de estourar o escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, íntimo do Palácio do Planalto.
Congresso em Foco – Como o senhor avalia o PMDB hoje?
Pedro Simon – Sempre fui amigo do Lula, em quem votei, no segundo turno, em 1989, já que, no primeiro turno, votei no dr. Ulysses (Ulysses Guimarães, ex-presidente da Câmara e candidato a presidente da República pelo PMDB em 1989). Sempre gostei do Lula, acho ele um acontecimento fantástico na história do Brasil e, quase que diria, da Humanidade. Temos de torcer para que ele se dê bem. Com essa tese, defendo que o PMDB dê governabilidade a ele. Não fosse o PMDB, as reformas tributária e da Previdência não teriam passado no Congresso. Estaríamos numa crise, caminhando não sei para onde. O PMDB fez com que o PT terminasse 2003 e iniciasse 2004 de uma maneira tranqüila, muito melhor do que o Fernando Henrique no início do governo dele.
O partido deveria ficar fora do governo?
A tese que o PMDB gaúcho lançou é de dar apoio e governabilidade ao Lula, mas não integrar o governo. Deveríamos ficar fora do governo. O PMDB, que tem essa tradição fisiológica de querer cargo e emprego, daria um exemplo muito positivo se começasse a se reorganizar. Se tu analisares, os dois ministérios, Previdência e Comunicações, são o mesmo que nada. Pode ser que o ministro vá arrumar verba para um ou outro, regularizar as rádios dele, mas tudo sem significado. Não tem peso nenhum para o partido, para o governo Lula, nem para a sociedade. O meu amigo Amir Lando (ministro da Previdência) é um homem sério, por quem tenho o maior respeito, mas é a mesmíssima coisa. O que tinha de fazer ali fizeram.
“O PMDB, que tem essa tradição fisiológica de querer cargo e emprego, daria um exemplo muito positivo se começasse a se reorganizar”
O senhor acredita que essa aliança do governo com o PMDB vai até 2006, com o Lula saindo candidato à reeleição e o PMDB indicando o vice?
Acho provável. Defendo a tese de que o PMDB deve ter candidato próprio. Está certo que o partido levou uma paulada com o dr. Ulysses e depois outra paulada com o Quércia. Em 1994, se nós tivéssemos apresentado uma candidatura quente, teríamos o apoio do Itamar e teríamos vencido a eleição. É muito engraçado porque quatro anos antes o Ulysses exigiu num baile ser ele o candidato. Naquele ano, se tivéssemos lançado o Quércia como candidato, teríamos ganhado a eleição. Ele estava muito bem. Quatro anos depois é que surgiram aquelas denúncias contra ele.
O senhor diria que o PMDB tem demonstrado mais lealdade ao governo Lula do que demonstrou ao governo Fernando Henrique?
Diria que sim, com toda a sinceridade. Quem não foi fiel ao seu programa foi o PT. O que tem de ser analisado é o programa do PT, que está muito longe do que ele defendeu na caminhada. É uma pena. Que aquele plano ia mudar todo mundo sabia. Mas é que mudou muito na reforma da Previdência. O equívoco, na minha opinião, é que ele mudou sem atalho, sem dar explicação. A Heloísa Helena (senadora expulsa do Partido dos Trabalhadores) tinha razão quando dizia que o PT deveria ter feito uma grande convenção para anunciar que o partido era o mesmo, mas que precisava reconhecer que estava diante de um quadro que não era aquele imaginado. Quem menos deu explicação foi o PT.
“Quem não foi fiel ao seu programa foi o PT”
Quem se aproximou mais um do outro: o PT do PMDB ou o PMDB do PT?
Não tenha dúvida de que foi o PT que se aproximou do PMDB, igualzinho ao Fernando Henrique, com as mesmas pessoas. Foi lá no Michel Temer, no líder do partido no Senado (Renan Calheiros) e se apaixonou pelo líder na Câmara (Eunício Oliveira), que virou ministro. Aproximou-se das mesmas pessoas que eles (PT) diziam fazer troca-troca. Nem mudaram. Poderiam até fingir e botar um Pedro Simon da vida, para dizer que esse é diferente, mas não, foi tudo do mesmo jeito.
O senhor é amigo do Sarney, foi ministro no governo dele…
O Sarney assumiu com o ministério todo do Tancredo, que caiu doente no dia em que assumiu a presidência. Em um ano e meio, o Sarney botou muita gente dele, eu era um daqueles que desejavam sair. Nem eu era dele, nem ele era meu. Se dependesse do Sarney, eu não teria sido escolhido. Se dependesse de mim, nem vice-presidente ele teria sido. Eu fui contra. O partido chegou à conclusão de que o Sarney não tinha embasamento para comandar o governo, porque havia presidido a Arena. A escolha dele para vice era um fardo pesado.
O PT sempre criticou muito o ex-presidente Sarney. Como o senhor vê a influência dele no governo?
O Sarney nasceu Lula desde criancinha. Ele é que não sabia. O governo para mim são quatro. O Lula e seus três auxiliares: o ministro da Casa Civil, o ministro da Fazenda e o Sarney.
“O Sarney nasceu Lula desde criancinha. Ele é que não sabia”
Quem mudou: o PT ou o Sarney?
Quem mudou foi o PT. O Sarney é o mesmo. Justiça seja feita, porque hoje temos de reconhecer o que antes não reconhecíamos. Achávamos que o Sarney estava sempre em cima, no governo, porque tinha sorte. Tinha era competência. Pegar aquela vice-presidência do Tancredo, com todo mundo contra, foi muita competência. Administrar aquela coisa toda com o dr. Ulysses foi muita competência. Estar agora no PMDB, com um filho no Partido Verde (PV) e a filha no PFL, é muita competência. Ele agora está se realizando. O Ibsen Pinheiro (ex-presidente da Câmara), dias atrás, me disse o seguinte: “Não tenho nenhuma dúvida, a aliança PT-PMDB está consolidada. É uma aliança de centro-esquerda. O centro é o PT”. O Sarney é um homem forte. Vários empresários já me contaram que foram a um ministério e outro, mas só conseguiram resolver o problema com o Sarney.
Nos bastidores, comenta-se que o governo prefere manter Sarney na presidência do Senado para evitar a ascensão de Renan Calheiros, que é tido como mais fisiológico do que Sarney…
Dizer que o Renan é mais fisiológico é uma injustiça com o Sarney, porque o Sarney pega cargos mais altos. Os dois têm o mesmo estilo. É que o Sarney, com a competência que o caracteriza, nunca briga. O Renan, que é líder, vai para a tribuna protestar, coisa que o Sarney nunca faz. Eu tenho muito respeito por ele (Sarney), que iniciou muitas coisas importantes no Senado, mas acho um absurdo voltar ao que era antigamente, quando o Senado ficava dez anos com o mesmo presidente. O cara fica na presidência, uma viagem pra cá, um favor para lá, um coisinha pra cá e não sai mais. O Sarney não pode hoje ser candidato porque está terminando o mandato dele. O Antônio Carlos Magalhães poderia ser, porque começou nova legislatura. Então, o Sarney tem que cair fora. Mas querem mexer na Constituição para fazer a reeleição. Sou contra e acho isso um absurdo.
“Dizer que o Renan é mais fisiológico é uma injustiça com o Sarney, porque o Sarney pega cargos mais altos”
A reforma política vai adiante este ano?
O PT tem toda a vantagem para fazer a reforma política. O partido é enorme e não tem o que perder. O PSDB hoje tem o mesmo número de parlamentares que o PTB. Eu acho que é um bom momento para fazer a reforma política. Primeiro, temos que fazer valer a fidelidade partidária. Segundo, definir um quociente por partido. Terceiro, instituir o voto distrital. Quarto, adotar o financiamento público de campanha.
O senhor é favorável ao sistema de lista fechada, em que o eleitor vota na lista definida pelo partido, previsto na proposta da reforma política?
A lista em si é algo positivo, mas tenho medo de uma lista no Brasil. Ela tem um lado altamente positivo: vota-se no partido. E o partido vai selecionar bons nomes. O PMDB em São Paulo, por exemplo, vai eleger quem o Quércia botar na lista. Quem ele quiser. Aí seria importante um sistema misto, metade distrital, metade pela lista.
“O PMDB em São Paulo, por exemplo, vai eleger quem o Quércia botar na lista”
Se alguém fosse congelado quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou posse e acordasse agora iria notar alguma diferença em relação à política econômica do país?
Iria achar que acordou no terceiro governo do PSDB. Agora mesmo privatizaram o Banco do Estado do Maranhão (BEM), igualzinho aos outros, com 80% de moeda podre. Esse PPP (parceria público-privada) vai ser um carnaval. Nem li direito, mas o que tenho ouvido é uma loucura. O cara resolve, por exemplo, fazer uma obra para a prefeita Marta (Marta Suplicy) se reeleger em São Paulo. Entra uma empresa, não precisa fazer concorrência, paga quatro ou cinco anos depois. É uma loucura.
“(Se alguém fosse congelado no governo FHC e acordasse agora) iria achar que acordou no terceiro governo do PSDB”
A que o senhor atribui o fato de o PT ter adotado um superávit fiscal inédito no Brasil?
O PT não tinha muita saída. Se o partido fizesse o que tinha dito que ia fazer, talvez não durasse muito. Havia um esquema diabolicamente preparado para empresas saírem e fazer o país entrar numa crise como a da Argentina, de dimensões imprevisíveis. O governo resolveu aderir a um esquema em que fugiria disso. Mas está na hora de tomar algumas providências que ainda não foram tomadas.
O que, por exemplo?
Coisa simples, que ideologicamente não significa nada. O Fome Zero é um zero. Falta ao governo sensibilidade. O PT passou quase 25 anos batendo. Era o arauto. Agora está comprando um avião que durante 10 anos não deixou o Fernando Henrique comprar. São coisas que fogem à racionalidade. Ter 35 ministérios é uma piada. Botaram nos ministérios 19 candidatos que perderam as eleições em 2002.
“O Fome Zero é um zero. Falta ao governo sensibilidade”
Por que isso ocorre?
É para acomodar as alas. Ele acomodou todo mundo do Rio Grande do Sul, porque se não trouxesse o Tarso, um grupo ia berrar, se não trouxesse o Olívio, outro grupo ia chiar, e se não trouxesse o Rosseto haveria problema com outro segmento. Trouxe todo mundo então. Até não discuto a criação do Ministério da Pesca, porque vários países têm. Mas trazer um cara de Chapecó, que é do interior, a 600 quilômetros de distância do mar? Só porque esse homem (ministro José Fritsch) criou um complexo de porcos, colheu todos os detritos dos suínos e fez grandes tanques para criar peixe? Isso é uma coisa bacana, mas ele não é o ministro da Pesca de um país que tem 8 mil quilômetros de fronteira com o mar.
O que o senhor acha da política externa conduzida pelo governo Lula?
É nota dez. O ministro (Celso Amorim) é o mesmo de Itamar e está seguindo a mesma linha. Está bem com os EUA, uma crítica aqui outra ali, por causa dos bombardeios ao Iraque, mas mais branda do que se imaginaria. Também tem sido boa a aproximação com a China e a Índia. A política internacional deste governo está melhor do que a de Fernando Henrique.
“A política internacional deste governo está melhor do que a de Fernando Henrique”
Mesmo com relação à Alca (Área de Livre Comércio das Américas)?
O governo tem levado isso em banho-maria. Ele não foi contra. O PT queria fazer um referendo para saber o que o povo achava. Pareceu que o ministro estava fechando a Alca, mas não é isso. Diplomaticamente ele está indo bem.
O senhor é um homem religioso, seguidor da Ordem Terceira de São Francisco. Em quê o governo Lula poderia se inspirar em São Francisco?
São Francisco de Assis foi considerado o homem do segundo milênio, não pela Igreja, mas por uma série de instituições. Ele foi desmoralizado aqui no Congresso. Ele tem uma oração muito bonita, que é a Oração do Amor, e um deputado aproveitou uma parte, dizendo que era dando que se recebia, para justificar que o Sarney dava as rádios para ganhar cinco anos de mandato. A principal característica de São Francisco é valorizar a pobreza. Ele passou a vida toda dizendo como era importante ser pobre e dar força para que essas pessoas fossem iguais. O Lula tinha tudo para botar em execução o ensinamento de São Francisco. O Brizola dizia uma coisa do Jango, quando brigou com ele, que eu temo que possa valer para o Lula: “Vocês têm de entender que o nosso Jango não é mais o Jango. Aqueles tapetes vermelhos, aqueles mármores, em Brasília, o cara acaba se acomodando”. Essas viagens aí são uma maravilha, agora com avião novo, então!
“O Lula tinha tudo para botar em execução o ensinamento de São Francisco”
Por que o Fome Zero não decolou?
Porque eles não respeitaram o que já existia. Modéstia à parte, fui líder do governo Itamar e, quando começamos, tivemos a grandeza de buscar o Betinho (Herbert de Sousa). Era um cara que batia no governo, mesmo sendo chefe (do Conselho Nacional de Segurança Alimentar). O Itamar ficava uma fera, mas ele continuava. Trouxe o Bispo de Duque de Caxias (Dom Mauro Morelli), que era um homem para valer. Colocou o Banco do Brasil e os Correios à disposição e utilizou essas entidades, não criou estrutura partidária. Daquela vez funcionou bem mesmo, não tinha partido. Agora destituíram o ministro do PT, tem as prefeituras do PT, não sei o quê, botaram uma burocracia do tamanho de um bonde que não deu em nada.
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