No ano da Copa da Alemanha, o maior bloco de Carnaval do mundo ganhou ontem as ruas do Recife com seus mais de 1,5 milhão de foliões sob o tema Rumo ao hexa. Mas, em meio às comemorações do Galo da Madrugada, não faltou irreverência para transformar em comédia a trágica crise política verde-amarela. Um festival de malas pretas, cuecões recheados de dólares e máscaras de um recém-famoso carequinha e um insuspeito barbudo deram o tom da brincadeira nas ruas da capital pernambucana.
Ao longo dos 4,5 mil metros percorridos pelo Galo da Madrugada, alguns foliões caíram na festa em ritmo de caixa dois, mensalão, Marcos Valério, Roberto Jefferson e Lula. Pelo menos dois grupos chamaram a atenção: Pra esquecer o mensaleiro e Caixa dois e mensalão.
No meio da alegria e da multidão, o corretor de imóveis Osvaldo Estevam Costa Júnior e seus amigos lideraram uma crítica irreverente à crise política. Caracterizado de presidente Lula, o corretor desfilou dentro de um Caixa Dois com uma placa não menos irreverente: "Povão, elle não sabia".
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O sarcasmo e a ironia já despontavam com abundância pelas ruas da capital pernambucana desde a última quinta-feira (23), na apresentação do bloco Quanta Ladeira, criado há nove anos pelos músicos Lenine, Lula Queiroga e Zé da Flauta, que reúne, em média, 20 mil foliões no dia da concentração. Músicos como Moraes Moreira, Pedro Luís (da Parede) e Paulinho Moska somam-se à folia todos os anos.
A principal característica do Quanta Ladeira é compor versos para melodias já conhecidas. Com a marcha-rancho Máscara Negra, eles substituíram os “mil palhaços no salão” pela figura do atual ministro da Fazenda. Ficou assim: "Eu tô rico, eu tô rindo à toa/ Mais de mil Paloccis no salão/ Já voei pelo Oriente/ E pela América Latina/ A bordo do Sucatão".
“A gente não se prende a um só tema, não somos monoteístas. O que fazemos é brincar, porque o Carnaval é uma celebração. Mas com essa overdose de notícias sobre política e corrupção, resolvemos também mexer com isso. Mas também temos versões de músicas dos Bee Gees, em ritmo de samba e pagode”, explica Lula Queiroga (leia mais).
PublicidadeMas não foi só nas ruas do Recife que o primeiro Carnaval pós-mensalão começou a mostrar a sua cara. Ainda na semana passada, a festa de lançamento da camiseta oficial do bloco Vai quem quer, em Porto Velho (RO), foi embalada pelos versos da marchinha Do cuecão ao mensalão, a banda é a solução. A letra resgata, com humor, o episódio do assessor do deputado estadual José Nobre Guimarães, presidente do PT cearense e irmão do ex-presidente nacional do partido, José Genoino.
O verso “Me dá um mensalão/ Meu mensalinho não tá dando conta não” rendeu ao compositor catarinense Zinho, autor da marchinha Também quero um mensalão, o primeiro lugar do Concurso de Músicas de Carnaval da Prefeitura de Florianópolis. “Eu posso até encarar uma CPI/ Eu não tô nem aí/ Eu quero é o faz-me-rir.”
A crise política também diminuiu a circulação de fantasias que fizeram sucesso em 2005, como as de Saddam Hussein, Osama Bin Laden e George W. Bush, e pôs no centro da folia personagens brasileiríssimos, como o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-deputado José Dirceu (PT) e o ex-ministro Luiz Gushiken (Secom).
O empresário Armando Valles, dono da fábrica Condal, que vende sua produção para todos os estados brasileiros, lançou uma série completa de máscaras de políticos envolvidos direta ou indiretamente no escândalo do mensalão. Valles estima que 100 mil máscaras de políticos tenham sido comercializadas para as principais cadeias varejistas do país. Do time de políticos do mensalão, Roberto Jefferson lidera o ranking de máscaras mais vendidas, nas versões com e sem olho roxo, lançadas desde setembro.
Pelo menos três lojas da ladeira Porto Geral, na região da rua 25 de Março, centro de São Paulo, vendem as peças. A versão Jefferson com olho roxo é a segunda fantasia mais vendida – perde apenas para a do presidente Lula. "É uma nuvem de vendas, daqui a pouco ninguém lembra", brinca o comerciante Melhem Feghali, ao comemorar a venda das máscaras, em entrevista à Folha de S. Paulo. Da crise, por enquanto, ainda não se esqueceu.
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