Mais uma vez a parte atrasada da bancada do agro no Congresso Nacional (dessa vez no Senado) insiste em forçar a aprovação de uma nova lei fundiária ampliando as possibilidades de titulação de terras praticamente de graça e facilitada (sem vistoria presencial) para médios e grandes ocupantes de terras públicas, não somente na Amazônia, inclusive que tenham cometido crimes de desmatamento ilegal até bem recente.
A proposta, uma réplica piorada da MP da Grilagem que caducou em 2020, agora sob o número PLS 510 de 2021 no Senado, de autoria do Senador Irajá Abreu – sim o filho da ex-presidente da CNA, Kátia Abreu, é eivada de vícios graves e problemas sérios.
Destaco a seguir, em linhas objetivas, as dez razões da afirmação feita no parágrafo anterior e que dão título a esse brevíssimo artigo, com os dados e argumentos centrais da nota técnica* mais recente de lavra dos pesquisadores Raoni Rajão, Felipe Nunes, Britaldo Soares e Debora Assis do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos centros de pesquisa sobre o tema mais reconhecidos nacional e internacionalmente.
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Vamos aos pontos:
1 – Apesar de ser considerado crime a invasão de terras públicas, a própria legislação vigente permite a regularização de ocupações ocorridas até 2011, logo para regularizar ocupações realmente antigas não é necessário alterar a lei;
2 – Das 105 mil parcelas em processo de regularização na Amazônia, 84 mil são anteriores a 2012, das quais 46 mil posses são anteriores a 1985, logo se o Senado quer regularizar ocupações antigas não precisa alterar a lei;
3 – As modificações introduzidas pelo PL 510/2021 autorizam a regularização de áreas ocupadas até 2014, permitindo a licitação de terras públicas que não cumpram esse marco temporal, dando a preferência de aquisição ao atual posseiro. Também prevê o uso de sensoriamento remoto para titular posses em terras públicas com até 2500 hectares, portanto grandes áreas, muito acima dos quatro módulos fiscais (até 480 hectares na Amazônia);
4 – Estima-se que o PL 510/2021 irá anistiar a ocupação criminosa de 5.737 parcelas entre 2012 e 2018, legitimando também invasões futuras de outras 16 mil áreas já incluídas na base do Incra;
5 – Em área, tem o potencial de permitir a ocupação de 2,4 milhões de hectares de terras públicas, a um valor de mercado superior a R$ 2,2 bilhões, considerando somente os imóveis presentes na base do Incra;
6 – A iniciativa abriria caminho ainda para a ocupação desorganizada de 43 milhões de hectares, dos quais 24 milhões atualmente cobertos por florestas públicas que deveriam ser
estrategicamente licitadas para exploração sustentável de madeira e de outros produtos da sociobiodiversidade;
7 – Em face da aprovação do PL 4843 ocorrida no Senado ainda no mês de abril, as flexibilizações e anistias introduzidas pelo PL 510 poderão ser aplicadas aos 66 Mha ocupados pelos assentamentos rurais nos estados da Amazônia Legal, permitindo a titulação de médios e grandes imóveis, e retirando os pequenos produtores dessas áreas;
8 – Desde 2009, a legislação brasileira já permite que a regularização fundiária de pequenos produtores (áreas com até quatro módulos fiscais, podendo chegar a 440 ha) seja feita sem a necessidade de vistoria de campo, portanto para pequenos essa nova Lei é dispensável;
9 – As mudanças introduzidas pelo PL 510/2021 têm como foco facilitar o acesso às terras públicas aos médios e grandes produtores, que somam apenas 4% da fila de análise do INCRA, que não dá vazão aos 95% que já podem ser beneficiados pela lei vigente; e
10 – Visto que as imagens de satélite fornecem informações remotas, logo limitadas, sobre a área a ser requerida, o PL 510, ao dispensar vistoria em imóveis com área até 2,5 mil hectares, aumenta ainda o risco de fraudes e titulação de grandes extensões já ocupadas por pequenos produtores e populações tradicionais, agravando os conflitos fundiários na Amazônia.
Diante de tais revelações, feitas por cientistas de um dos mais renomados laboratórios de gestão territorial do Brasil e reconhecido internacionalmente, não há outro caminho defensável ao PL 510 que não seja o seu enterro pelo Senado.
O negacionismo climático e científico não pode prosperar diante de evidências acadêmicas tão graves quanto as apontadas pela Nota Técnica do Lagesa/UFMG e aqui resumidas.
*Acesse a íntegra da nota técnica “PL 510/2021 e 2633/2020: modernização da regularização fundiária ou lei da grilagem?” aqui neste link.
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