Aldemario Araujo Castro *
O governo do senhor Michel Temer e do senhor Henrique Meirelles (banqueiro amplamente festejado pelo todo-poderoso “mercado” nacional e internacional) enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que cria o “Novo Regime Fiscal”. Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, a proposição passou a tramitar no Senado Federal sob o número 55/2016.
Afirma a exposição de motivos da PEC em questão: “4. A raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição. (…) 8. Com vistas a aprimorar as instituições fiscais brasileiras, propomos a criação de um limite para o crescimento das despesas primária total do governo central. 9. O Novo Regime Fiscal, válido para União, terá duração de vinte anos. Esse é o tempo que consideramos necessário para transformar as instituições fiscais por meio de reformas que garantam que a dívida pública permaneça em patamar seguro”.
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Ao sustentar a necessidade de estabilizar o crescimento da despesa primária (despesa não financeira) como instrumento para conter a expansão da dívida pública, a PEC 241/2016 incorre em três erros capitais:
a) esconde as verdadeiras razões para o crescimento da dívida. Algumas das principais são: a.1) os altíssimos juros praticados (os maiores do mundo); a.2) o lançamento de títulos (novas dívidas) para pagamento de parte dos juros (contabilizados indevidamente como amortização) e a.3) as operações compromissadas (segundo dados do Banco Central do Brasil, essas operações representavam R$ 528,7 bilhões da dívida pública em dezembro de 2013, R$ 809,06 bilhões em dezembro de 2014, R$ 913,28 bilhões em dezembro de 2015 e R$…);
b) admite implicitamente uma visceral violação da chamada “regra de ouro”, inscrita no art. 167, inciso III, da Constituição. Com efeito, esse dispositivo constitucional proíbe, como padrão de funcionamento regular das contas públicas, que sejam contraídas dívidas para financiar o deficit primário. A exceção admitida, a partir de autorização específica da maioria absoluta do Poder Legislativo, aparentemente jamais ocorreu;
c) entre 2002 e 2013 foram verificados seguidos superávits primários. Somente em 2014 e 2015 foram apurados deficits primários (por conta de uma enorme redução das receitas). Portanto, é elementar que a trajetória de crescimento da dívida pública não se explica por deficits primários (inexistentes) (leia mais aqui e aqui).
Esse último aspecto precisa ser amplamente destacado. Afinal, é feita uma intensa propaganda, rasa e distorcida, no sentido de que os desajustes nas contas públicas resultam de gastanças irresponsáveis. Usando uma comparação inadequada com as finanças domésticas, busca-se o convencimento popular pela via simplista de que os gastos não podem superar as receitas. O pior dessa campanha de enganação midiática é justamente o fato de que nos últimos 14 (quatorze) anos somente nos dois mais recentes houve deficit primário (por retração nas receitas).
Simplesmente não existe (existiu) um descontrole monumental nas contas públicas decorrente de despesas excessivas e irresponsáveis com remunerações, aposentadorias, benefícios assistenciais e programas sociais (a quase totalidade dos gastos primários). Essa é a realidade deturpada pelo discurso oficial (governo, grande mídia e economistas do “mercado”). O ápice do apocalipse artificialmente construído está bem retratado nas palavras do deputado Darcísio Perondi, relator da PEC na Câmara dos Deputados. Afirmou o parlamentar: “Caso nada seja feito [aprovação da PEC 241/2016], o Dia do Juízo Fiscal chegará e atingirá a todos” (veja a íntegra).
Transformada em norma constitucional, a PEC 241/2016 (n. 55/2016 no Senado Federal) significará um sofisticado e duradouro expediente de ajuste ou arrocho fiscal seletivo. Por essa via, as despesas (sociais) do Estado voltadas para melhorar as condições de vida da maioria da população serão estranguladas. Por outro lado, o mercado financeiro, especialmente o pagamento do serviço da dívida pública, permanecerá intocado e livre de qualquer contenção mais significativa.
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