As recentes manifestações de rua tiveram profundo impacto na política brasileira e abalaram o status quo. As eleições de 2014, que as forças dominantes tinham como resolvida, se configuram como um quadro totalmente aberto. As ruas foram esvaziadas, mas há um sentimento geral de que a qualquer problema relevante ou mesmo na Copa do Mundo serão retomadas. Nas últimas semanas, houve dezenas de pequenas manifestações de grupos radicalizados, por vezes com viés extremamente autoritário. As movimentações de junho foram difusas, contraditórias e não possuíam horizonte estratégico claro. Por sua própria natureza, não houve a institucionalização de lideranças que pudessem falar em nome do conjunto. As minorias que permaneceram mobilizadas vocalizam forte sentimento antipartidos, contra o Estado e suas instituições. Expressões como “assembleia popular horizontal”, “fora do eixo”, coletivo popular expressam um desejo, que não é novo, de uma democracia direta exercida sem mediações institucionais.
Os anarquistas perseguiam uma sociedade sem Estado, a utopia marxista imaginava a supressão do Estado após a transição socialista, os liberais sempre defenderam o Estado mínimo. A democracia representativa nasceu exatamente diante da impossibilidade de governar sociedades complexas de forma direta. Mas a partir do final do século 20, com a emergência da chamada sociedade pós-moderna – fragmentada, múltipla em seus interesses, com a organização autônoma de movimentos diversos –, a democracia representativa vive uma crise crônica de legitimidade. As redes sociais temperaram esse quadro com a possibilidade de forte participação à margem das instituições.
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Portanto, o descolamento relativo do poder e dos partidos políticos do sentimento da população não é privilégio do Brasil. As ruas tomaram emprestado dos “Indignados” espanhóis o lema “vocês não nos representam”. Há indiretamente aí um clamor por uma profunda reforma política e, principalmente, uma mudança cultural, de atitude, de forma e conteúdo, na ação de partidos, autoridades, lideranças.
Precisamos aprofundar, no Brasil, a discussão sobre como rechear nossa democracia representativa com elementos radicais de transparência e participação direta. Os movimentos de massa difusos e sem institucionalização podem contestar e até demolir o poder constituído. Mas por si são incapazes de erguer alternativas para governar os rumos da sociedade.
Há experiências cheias de elementos para a reflexão, como a do comediante, blogueiro e ativista italiano Beppe Grillo e seu Movimento 5 Estrelas, que com uma plataforma entre o populismo e o anarquismo, confrontou lideranças tradicionais como Bersani e o seu PD e Berlusconi e seus aliados, alcançando 25% dos votos nas eleições de fevereiro de 2013.
A tarefa coletiva é canalizar a energia das ruas para o fortalecimento e modernização de nossa democracia, como ferramenta de avanço social e econômico do país.
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