Diego Moraes
Passados os primeiros 72 dias de 2006, o Orçamento Geral da União (OGU), por enquanto, não passa de uma promessa de bondades em ano eleitoral. De uma só vez, aumenta o salário mínimo de R$ 300 para R$ 350, destina recursos para corrigir em 8% a tabela de Imposto de Renda e reserva R$ 5,1 bilhões para reajustar o salário dos servidores públicos federais. Mas tudo isso só vai sair do papel se os parlamentares votarem a proposta até junho. E a negociação, que parecia caminhar para um desfecho nesta semana, promete se estender por mais tempo no Congresso.
Na última quinta-feira, a Comissão Mista de Orçamento alinhavou um acordo em torno dos repasses do governo federal para compensar os estados pelas perdas da Lei Kandir, principal entrave para a aprovação da proposta orçamentária. Entretanto, o possível corte em emendas coletivas para atender às reivindicações dos governadores pode jogar todo o esforço pelo ralo.
O relator-geral da peça orçamentária, deputado Carlito Merss (PT-SC), aceitou na semana passada aumentar o reembolso aos governos estaduais, com a condição de que haja um corte linear de 12,5% nas emendas coletivas – propostas pelas bancadas estaduais e pelas comissões permanentes.
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Integrantes da Comissão de Orçamento apostam, porém, que a idéia vai gerar atritos entre as bancadas estaduais, principalmente porque os recursos retirados de vários estados podem não retornar a eles com os repasses pela Lei Kandir. “A Lei Kandir beneficia quem exporta mais. Portanto, a redistribuição do dinheiro será diferenciada”, explicou o deputado Ronaldo Dimas (TO), coordenador da bancada tucana na Câmara.
A única certeza em torno do Orçamento deste ano é que os parlamentares não aceitam abrir mão da elevação nos repasses. “O debate político já foi vencido. Agora é só levantar as receitas”, afirmou o deputado Wasny de Roure (PT-DF), integrante da comissão. “É difícil que consiga aprovar sem isso (o aumento na compensação)”, disse o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ).
PublicidadeMerss, no entanto, admitiu ao Congresso em Foco que as discussões ainda estão em fase prematura e que o acordo firmado na semana passada é frágil, já que as bancadas repudiam a idéia de corte em emendas. “Nada disso foi fechado. Não há como dizer se há acordo”, disse o relator, que hoje se reúne com os parlamentares para discutir o texto final. “Se aprovar o aumento na Lei Kandir (sem corte de emendas), não vai sobrar dinheiro para nada”, completou.
O sub-relator de Fazenda da Comissão de Orçamento, deputado Anivaldo Vale (PSDB-PA), discorda de Merss. Segundo ele, o governo reservou mais de R$ 13 bilhões em investimentos e, com esses recursos, seria possível aumentar os repasses pela Lei Kandir sem cortes nas emendas apresentadas por deputados e senadores. “As emendas representam cerca de R$ 8 bilhões apenas”, disse.
O texto original do OGU, enviado ao Congresso no ano passado, não previa recursos do governo federal para compensar as perdas da Lei Kandir, que isenta de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semi-elaborados.
Contrariados, os governadores exigiram pelo menos R$ 5,2 bilhões para cobrir o prejuízo. Na tentativa de promover um equilíbrio entre as duas partes, o relator-geral destinou R$ 3,4 bilhões. Desde então, começou um impasse dentro da comissão que só terminou na semana passada, depois de um acordo por escrito fixar o repasse em R$ 1,8 bilhão além do previsto.
Só se arrecadar
O corte de emendas para garantir o aumento dos repasses pela Lei Kandir deve causar confronto entre as bancadas e o relator, mas só vai garantir metade do R$ 1,8 bilhão reivindicado pelos governadores, segundo os cálculos de Merss.
Os outros R$ 900 milhões estarão na proposta orçamentária, mas serão pagos apenas se a arrecadação da União superar a estimativa de receitas, fixada em R$ 545,9 bilhões. Os relatores dos anos anteriores apelaram para a mesma estratégia com sucesso, já que o governo tem arrecadado sempre mais do que o previsto.
A idéia do relator, contudo, é evitar a mesma queda de braço entre os governos estaduais e federal durante a aprovação do Orçamento nos próximos anos. Ele pressiona pela regulamentação do artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que fixa os repasses pela Lei Kandir aos estados. Mas, segundo Merss, os governadores preferem que a questão continue sem regulamentação.
Tudo como dantes
“Eles querem que fique esse jogo, de brigar por recursos no fim do ano”, afirmou o petista. Uma das propostas do artigo 91 é equilibrar os repasses entre os estados exportadores e evitar a concentração de recursos em uma única região. Hoje São Paulo recebe a maior fatia da compensação da Lei Kandir: 31,14%. “Os estados querem esse ajuste, porque perdem para São Paulo, por exemplo, que importa tanto quanto exporta”, disse o relator.
O sub-relator de Fazenda propôs em seu texto a redistribuição da compensação pelas perdas de ICMS e aumentou a destinação para as regiões Norte e Nordeste. O relatório de Anivaldo Vale já foi aprovado pela comissão, mas a parte que trata da reorientação nos repasses ainda será discutida junto com a proposta integral.
Prefeituras a perigo
A liberação de recursos do orçamento além do previsto para o custeio da máquina pode beneficiar estatais que estão com o cronograma de investimentos atrasado. Outra vantagem é a possibilidade de abastecer com recursos os setores de Saúde e Educação, já que parte da receita destes setores é classificada como investimento. “Foi uma saída para poder administrar o país sem orçamento”, justificou o relator-geral.
Quase sem saída, segundo Merss, estão as prefeituras e estados, que dependem da aprovação do orçamento para a liberação de recursos para investimentos locais. Na maioria dos municípios, a construção de escolas, creches, quadras esportivas e outras obras de infra-estrutura custeadas com recursos da União estão atrasadas por conta do impasse em torno do OGU. “A União sobrevive melhor sem a lei orçamentária do que os estados e os municípios”, admitiu.
Há três meses os governos estaduais não recebem a compensação pela Lei Kandir. Isso porque, sem a peça orçamentária, o Planalto pode apenas pagar despesas com pessoal e do custeio da máquina. De lá pra cá, os investimentos também estão suspensos (veja os números do orçamento 2006).
O tempo para aprovar o OGU deste ano é curto. A legislação eleitoral estabelece que o prazo máximo para que o Executivo aplique recursos em obras e aumento de salários vai até 30 de junho.
Para tentar liberar dinheiro o quanto antes da suspensão imposta pela Justiça Eleitoral, mesmo sem o orçamento, o governo encaminhou ao Congresso na semana passada um projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para incluir investimentos e inversões financeiras na liberação de verbas para o custeio da máquina pública.
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