Dia desses ouvi uma piada segunda a qual, quando da Criação, nosso país teria sido privilegiado com riquezas imensas e poupado da maioria dos desastres naturais para compensar o “Zé-Povinho” que seria colocado aqui. De tão repetida, esta desagradável ironia virou verdade aceita: a culpa pelo atraso do Brasil é do “Zé-Povinho”.
Menos lembrada, porém de muito maior importância, é uma acusação terrível feita por ninguém menos que Theodore Roosevelt, o 26º presidente dos EUA: “Por detrás do Governo ostensivo acha-se um Governo invisível, que não deve fidelidade nem reconhece qualquer responsabilidade perante o povo. Destruir este Governo invisível, dissolver esta maligna aliança entre negócios corruptos e política corrupta, há que ser a primeira tarefa de Estado. Este país pertence ao povo. Seus recursos, seus negócios, suas leis, suas instituições, deveriam ser utilizadas, mantidas ou alteradas somente da maneira que melhor atendesse o interesse coletivo”.
Curiosa, esta frase. No final das contas, que “Governo invisível” é esse? Será que ele existe só lá nos Estados Unidos? Seria ele o responsável por muitas das mazelas inexplicáveis que afligem a humanidade?
Como explicar, por exemplo, a opção rodoviária feita pelos brasileiros, habitantes de um país de dimensões continentais? Por conta de termos negligenciado os transportes marítimo e ferroviário, passamos as décadas a morrer aos milhares em rodovias que mais parecem matadouros. Está aí a culpa do “Zé-Povinho” ou deste tal “Governo invisível”?
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Qual a explicação para o fato de dependermos tanto de exportar recursos naturais a preço de banana, para importá-los depois a peso de ouro sob a forma de produtos industrializados? Quem ganha com isso? Seria obra do “Zé-Povinho” ou do tal “Governo invisível”?
Como compreendermos o brutal processo de desindustrialização e internacionalização a que nossa economia foi submetida no século passado? Como se explica a entrega de vastos setores – os mais lucrativos, diga-se de passagem – ao capital estrangeiro? Quem lucra com isso? O “Zé-Povinho” ou este “Governo invisível” mencionado pelo ex-presidente norte-americano?
E o pagamento de juros? É difícil de entender como chegamos a um ponto no qual os recursos que destinamos no orçamento de 2006 para custear a Previdência Social, a Assistência Social, a Saúde, a Educação, o Trabalho, a Reforma Agrária, a Segurança Pública, o Urbanismo, a Habitação, os Direitos da Cidadania, o Desporto e Lazer, a Cultura e até o Saneamento, somados, deram apenas R$ 317,9 bilhões – R$ 7,9 bilhões a menos do que pagamos só de juros naquele ano. Este descalabro histórico seria culpa do “Zé-Povinho” ou deste “Governo invisível”?
Curiosamente, os brasileiros pouco falam sobre tudo isso. Vivem – como de resto a maioria dos outros povos – praticamente em um estado de alienação, desinformados sobre a natureza e extensão de problemas nacionais os mais sérios. Seria isso obra do “Zé-Povinho” ou deste famoso e penumbrento “Governo invisível”?
Acorde. Olhe em volta. Perceba que estamos todos a viver em um mundo, em um país, totalmente sem lógica – que somente a existência de um “Governo invisível” pode explicar. Somos, cada um de nós, vítimas dele. Combatê-lo não importa em qual esfera for é nosso dever, sob pena de, em não muito tempo, chegarmos aos portais da eternidade cantarolando o refrão da famosa música do grupo Ultraje a Rigor: “inútil, a gente somos inútil”.
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