Rogério Oliveira Anderson *
Uma oferta hostil, também conhecida como takeover hostil ou aquisição hostil, é uma tentativa de aquisição de uma empresa que é resistida ou não é desejada pela administração da empresa-alvo. Nesse caso, a oferta é feita diretamente aos acionistas da empresa, sem o apoio ou consentimento da administração.
Uma oferta hostil ocorre quando uma empresa (chamada de adquirente) deseja adquirir outra empresa (chamada de alvo) e a administração da empresa-alvo não está interessada em vender ou em negociar uma fusão. A adquirente então toma a decisão de fazer uma oferta direta aos acionistas da empresa-alvo, buscando convencê-los a vender suas ações.
Uma oferta hostil pode ocorrer quando a adquirente acredita que a empresa-alvo possui um valor significativo ou ativos estratégicos que seriam benéficos para seus próprios interesses. No entanto, a oferta hostil muitas vezes é vista como uma medida agressiva, pois ignora a vontade da administração da empresa-alvo, ou seus acionistas, e pode gerar conflitos entre as partes envolvidas.
Para que uma oferta hostil seja bem-sucedida, é necessário obter uma maioria das ações da empresa-alvo, o que pode exigir um processo longo e complexo. Além disso, a oferta hostil pode enfrentar resistência dos acionistas e dos órgãos reguladores, dependendo das circunstâncias e das leis aplicáveis em cada país.
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Nos Estados Unidos, por exemplo, existem algumas diretrizes fixadas pela Securities and Exchange Commission (SEC) que estabelecem as regras específicas que devem ser seguidas durante uma oferta hostil. Isso inclui a divulgação adequada de informações relevantes aos acionistas, para garantir a transparência no processo.
A preocupação, sempre, é proteger o direito dos minoritários, garantindo-lhes a possibilidade de venda de suas posições por um preço justo. É o que estabelece, ainda nos EUA, o Williams Act (1968) ao exigir, por exemplo, que a adquirente inclua todos os detalhes de uma oferta pública nos registros da Comissão de Valores Mobiliários (SEC) e da empresa-alvo. O arquivamento deve incluir, por exemplo, os termos da oferta, a fonte dos recursos e os planos para a empresa após a aquisição.
Há, ainda, os denominados “estatutos de desvantagem” (poisons pills), que permitem à administração das empresas-alvos estabelecer medidas defensivas contra a aquisição, muito embora não a possa impedir.
Além disso, tanto quanto no direito brasileiro, há severo acompanhamento das autoridades antitrustes, com vistas a proteger a livre concorrência e o mercado consumidor, com vistas a se impedir a dominação dos mercados.
Em especial, naquela ordem jurídica, é relevante, e obscuro, o papel do Comitê de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos (Committee on Foreign Investment in the United States – CFIUS). Naquele país, sobretudo a partir dos 70, há um incremento na preocupação com as aquisições por estrangeiros em diversos setores da economia sob o prisma da segurança nacional.
Mais recentemente, o Foreign Investment and National Security Act (FINSA), emendou a secção 721 do Ato de Defesa da Produção de 1950 (DPA), autorizando o Presidente a analisar as operações de fusões, aquisições e takeovers que possam resultar em propriedade ou controle de empresas americanas por pessoas estrangeiras e bloquear aquelas que apresentem implicações para a segurança nacional.
Não há nada parecido no direito brasileiro.
Nesse sentido, preocupa o modelo de privatização da Eletrobrás levado a efeito pela Lei Federal 14.182/2021 não apenas porque estabeleceu a diluição da participação da União e uma limitação do direito de voto (voting caps) a no máximo 10% (dez por cento), ainda que o acionista detenha participação maior no capital da empresa, mas, também, em razão da ausência de salvaguardas para aquisição hostil das ações da companhia, seja por capital nacional, seja por capital estrangeiro.
O modelo, sob o ponto de vista jurídico, não impede a tomada hostil do controle da Companhia vez que não impede a oferta pública de aquisição com a concordância, ou não, da atual administração, sendo que a ação de classe especial (golden share) garantida pelo artigo 3º, inciso III, alínea “c”, da Lei 14.182/2021, não abrange o veto à entrada de novos acionistas.
Não, não é uma observação xenofobista. O capital estrangeiro é benvindo e deve ser estimulado a aportar na economia brasileira. A questão de fundo, entretanto, é o interesse estratégico do estado tendo em vista a natureza das atividades desenvolvidas pela empresa, serviço público essencial, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, sem o qual não se viabiliza a existência digna da população, que dirá da economia com um todo…
As salvaguardas previstas no artigo 256 da Lei 6.404/76, bem como na Instrução Normativa 361/2002, vigente na data da publicação da Lei 14.182/2021, bem como na Instrução Normativa 85/2022, da CVM, atualmente em vigor, não são suficientes para impedir, ou pelo menos, para preservar os interesses nacionais, sejam econômicos, sejam de segurança energética, na Companhia.
Não se desconhece o quadro de desinvestimento no segmento de energia e a necessidade de capital privado para o atendimento das necessidades da população, sendo certo que capital, nacional ou estrangeiro, é sempre necessário, especialmente o destinado à geração e distribuição de energia elétrica.
A capitalização levada a efeito pela Lei 14.182/2021 trouxe, de forma imediata, em favor da Companhia, recursos na ordem de R$ 5,5 bilhões de reais. Ao todo, a previsão é a obtenção de mais de R$ 30 bilhões de reais, que serão investidos na malha elétrica brasileira, e na geração. Isso, apesar de pouco, face às nossas necessidades, supre em parte as necessidades de investimento.
Entretanto, é preciso que se considere os aspectos jurídicos do modelo adotado. A diluição da participação mediante emissão de novas ações, em si, nada tem de inconstitucional e poderia ter sido adotado pela controladora, observadas as normas da Lei 6.404/76.
A questão da limitação do direito de voto nos parece, isso sim, inconstitucional e merece corte de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Fere o direito de propriedade e o princípio da proporcionalidade. Alija o estado dos seus poderes políticos na Companhia. É medida que não seria aceita por nenhum particular, salvo com proporcional benefício decorrente da perda do poder de controle, o quê não houve.
Outro aspecto que preocupa é, como dito, a ausência de salvaguardas à aquisição hostil do controle da companhia, seja por um grupo de acionistas nacionais, seja por acionistas estrangeiros, em setor tão sensível à economia e à segurança do país, já que a golden share garantida à União não abrange a entrada de novos acionistas e é, de certa forma, relativamente fácil a composição de interesses societários que permitam o controle da Companhia à revelia dos interesses estratégicos do Estado, especialmente em razão da Cláusula Voting Caps já referida.
Existe o risco de multinacionais estatais estrangeiras assumirem o controle do setor elétrico brasileiro e isso deveria ter sido objeto de ponderação pelos legisladores na formulação do modelo de privatização em discussão que já tem sido replicado em outras empresas no âmbito das unidades federadas.
Nesse ponto, Barbosa Lima Sobrinho, em 1963, portanto, há exatos 60 (sessenta anos), já alertava que, longe de qualquer xenofobia, não há interesse de ordem pública a exigir que uma sociedade estrangeira, destinada a um comércio comum, seja impedida de funcionar no Brasil. Mas há interesse vital, por exemplo, no vedar as sociedades estrangeiras a propriedade das empresas jornalísticas, ou ao aproveitamento dos recursos petrolíferos, ou a navegação de cabotagem. Seria exagero estabelecer normas restritas no primeiro caso; seria imprudente e até mesmo criminoso deixar de fazê-lo no segundo caso. O que nos leva a admitir que há um domínio em que é possível a tese da igualdade entre sociedades brasileiras e estrangeiras, mas que existem numerosos setores, em que a desigualdade se impõe de maneira categórica, até mesmo por força de imperativo constitucional.
Ao que parece, o modelo de desestatização trazido pela Lei 14.182/2021, esqueceu-se da já antiga (mas atual!) lição, permitindo, ao menos em tese, e por vias transversas, a apropriação dos potenciais de energia elétrica do país, por capitais estrangeiros, o quê preocupa não pela origem do capital, mas pela inexistência do modelo de salvaguardas aos interesses nacionais, o quê ofende à nossa tradição jurídica.
Mais do que preocupar, torna ainda mais atuais as conclusões do Professor Barbosa Lima Sobrinho, segundo as quais, com o prestígio de superestruturas jurídicas, as grandes potências sabem criar sentimentos de estranha timidez nos povos sujeitos à sua influência. (…). O quê precisamos colocar acima de todas as preocupações, é o empenho de defender nossos interesses legítimos. De defender e resguardar a execução da política econômica que nos convenha.
Não custa recordar que nos diversos processos de privatização de estatais brasileiras, a União se preocupou em inserir, na lei, classes especiais de ações com poderes mais amplos do que aconteceu no caso da Eletrobrás.
No caso da Embraer, o primeiro, e mais amplo, o artigo 9º do Estatuto da Companhia, dentre outras prerrogativas, submete à concordância da União a transferência do controle acionário da Companhia e quaisquer alterações quanto às disposições relacionadas ao art. 9º do Estatuto Social, à organização e funcionamento da Companhia, aos acionistas, ao direito de voto, à representação da União no Conselho de Administração, aos mecanismos de proteção da Companhia, e, por fim, aos direitos atribuídos pelo Estatuto Social à ação de classe especial.
E observe-se que, seguindo a tradição européia de não interferência, a existência da golden share não impediu, por exemplo, a tentativa de aquisição do controle da Embraer pela Boeing, negócio esse que somente não foi exitoso por outros motivos que não o poder de veto da União.
Não houve a mesma preocupação na privatização da Eletrobrás, motivo pelo qual este artigo serve como alerta para que no processo legislativo atualmente em andamento, no Congresso Nacional, se fixem balizas mais seguras do ponto de vista do interesse nacional, para o setor elétrico, trazendo, por exemplo, um ação de classe especial que limite, de alguma forma, as modificações na estrutura acionária da companhia.
Não se advoga aqui a inconstitucionalidade de todo e qualquer processo de privatização, sendo certo que o capital privado é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país, porém é mais do que passada a hora de se estabelecer, mesmo de lege ferenda, mecanismos de garantia para o interesse estratégico nacional, corrigindo as omissões identificadas no processo de desestatização da Eletrobrás.
* Doutorando em Direito Comercial (USP) e procurador do Distrito Federal.
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