Eduardo Horacio, de Goiânia
Especial para o Congresso em Foco
Fora da campanha há mais de 45 dias, internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratamento da covid-19, Maguito Vilela (MDB) conquistou uma vitória histórica nesse domingo (29) e vai comandar a Prefeitura de Goiânia nos próximos quatro anos. A eleição do emedebista contra Vanderlan Cardoso (PSD) pode ser explicada pela força do prefeito Iris Rezende (MDB) na capital, o poder de mobilização da militância e pela biografia de Maguito, mesmo com o candidato ausente de entrevistas e debates.
Ao decidir não concorrer à reeleição e anunciar aposentadoria, o prefeito Iris Rezende (MDB) afirmou que não participaria do pleito, mantendo-se isento. Mesmo assim, ao se lançar na disputa, rapidamente Maguito foi visto pela maioria esmagadora do eleitorado como o candidato da continuidade.
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O histórico de lealdade militando 40 anos ao lado de Iris facilitou a identificação pelo eleitor. Com isso, Maguito cresceu rapidamente nas pesquisas ultrapassando o senador Vanderlan Cardoso antes do primeiro turno. O adversário também tentou surfar na popularidade de Iris, mas a estratégia simplesmente não colou.
Se Iris não participou diretamente, a histórica militância orgânica do MDB de certa forma compensou a ausência. Com o partido unido em torno de Maguito e a adesão de quase todo o primeiro escalão de Iris, a campanha ganhou corpo nas ruas e nas redes sociais. Segundo várias pesquisas Ibope divulgadas durante a eleição, 10% dos goianienses têm no MDB seu partido do coração. Só o PT tinha índice semelhante, com 9%. Vanderlan, ao mudar várias vezes de partido, não consolidou militância orgânica em partido nenhum.
Sob o comando do filho Daniel Vilela, ex-deputado federal, o volume de campanha do ex-governador foi maior que o do candidato do PSD desde o início. Mais eventos públicos (adesivaços, bandeiraços, palanques móveis, visitas a feiras, além de muitas reuniões) e maior presença nas principais redes sociais. No primeiro turno, com 16 candidatos e eleição para a Câmara Municipal, a diferença já era visível. Com dois candidatos, no segundo turno, apenas a campanha de Maguito ganhou as ruas, mesmo com o candidato ausente.
Comparações
No início, o eleitorado enxergava Maguito e Vanderlan como concorrentes com perfis parecidos. Ambos foram prefeitos de cidades próximas à capital, um era senador e o outro já havia sido. O senador tinha na TV na mais de dois minutos nos blocos de propaganda eleitoral, enquanto Maguito tinha 50 segundos a menos. O parlamentar não soube tirar proveito e o marketing do MDB usou melhor o tempo de TV.
PublicidadeEle caiu em armadilhas do marketing do MDB, comandado por Jorcelino Braga, que já o havia derrotado em 2016. Ao comparar as gestões de Maguito em Aparecida de Goiânia e de Vanderlan Cardoso em Senador Canedo, a balança pendeu para o candidato do MDB. As administrações de Maguito transformaram uma cidade maior, com maiores desafios. Aos poucos, Aparecida apagou Senador Canedo do imaginário popular, especialmente por ser bem maior e mais complexa.
De Aparecida de Goiânia ainda veio outro trunfo para o emedebista. O atual prefeito, Gustavo Mendanha, foi reeleito no primeiro turno com uma votação extraordinária (95% dos votos válidos). Ele é visto pelo eleitor como um “filho” de Maguito e candidato natural ao governo em 2022, quando deve enfrentar o governador Ronaldo Caiado (DEM), candidato à reeleição. A continuidade da gestão do MDB na cidade contrasta com as diversas mudanças em Senador Canedo, administrada nos últimos anos por adversários de Vanderlan.
Mesmo na UTI em São Paulo, o perfil conciliador e de diálogo angariou simpatia à candidatura de Maguito. Com Vanderlan apostando em falas e táticas arriscadas no segundo turno, a campanha do agora prefeito eleito angariou uma avalanche de apoios, de políticos com perfil de esquerda até alguns conservadores de direita. Ao contrário, sem grupo político (esteve em cinco partidos diferentes nos últimos dez anos) e novamente candidato de ocasião do Palácio das Esmeraldas (sede do governo estadual), os apoios de Vanderlan acabaram restritos ao alcance do atual governo. Para piorar, ele ainda resolveu atacar o PT no segundo turno, afastando os eleitores que votaram na petista Adriana Accorsi, terceira colocada na disputa.
Ao contrário do que alguns imaginam, o estado de saúde de Maguito não somou votos para ele. Ao contrário. Todas as pesquisas qualitativas apontam que a comoção no eleitorado foi pouca e a preocupação com o vice foi muita, sobretudo pelo vice, Rogério Cruz (Republicanos), ser um desconhecido da maioria dos eleitores da cidade. Uma consulta ao Google Trends mostra que houve um disparo na busca por “Maguito morreu” no Google nas últimas 24 horas de campanha no segundo turno, o que explica por que rigorosamente todas as pesquisas da véspera da eleição apontavam vitória de Maguito por uma margem de 15 a 20 pontos porcentuais e ela foi de apenas 5,2 pontos nas urnas.
Por que houve esse “aumento repentino”, termo que o próprio Google usa, para essa busca de pesquisa tão mórbida e justamente na véspera da eleição? Provavelmente boatos de última hora, talvez disparados por WhatsApp, talvez por meios tradicionais. Ninguém pode afirmar ainda se foi algo orgânico ou coordenado por alguém. Caberá à Justiça Eleitoral investigar.
Conjunto de erros
Uma eleição, no entanto, não é feita só de méritos do vencedor. Trata-se também do conjunto de erros do perdedor. Quando a eleição municipal de 2020 for objeto de estudos, um capítulo importante será dedicado a contar os erros da campanha do senador Vanderlan Cardoso.
Com apoio do governo estadual e o recall de ter disputado todas as eleições majoritárias na capital desde 2010, exceção apenas de 2012, quando estava impedido por lei, ele largou com uma frente confortável nas pesquisas, além de ter a menor rejeição entre os principais concorrentes. As boas notícias, porém, terminaram aí.
A campanha do senador cometeu diversos erros, do primeiro ao último dia. No fim, nos cinco dias anteriores à votação do segundo turno, Vanderlan teve agenda esvaziada, com quase nenhuma campanha de rua e poucas reuniões restritas a empresários. Na quinta-feira, 26, faltando três dias para o segundo turno, ele nem tinha agenda durante o dia, apenas à noite.
Apoiador do senador e presidente do DEM metropolitano, Lívio Luciano teve até um lapso de “sincericídio” um dia antes (25), faltando quatro dias para o segundo turno, em entrevista à Rádio Sagres. “Agora o que nós podemos dizer é que a presença do governador tem ajudado sem dúvida nenhuma, se não fosse a presença do governador, imagino que situação nossa estaria irremediavelmente perdida”, afirmou Lívio. E, de fato, as agendas mais vivas de Vanderlan foram justamente as que contaram com a presença de Ronaldo Caiado.
Quase todos os problemas da campanha dele foram causados pelo próprio candidato – e pelo bom uso que o marketing de Maguito fez disso. O emblemático áudio de WhatsApp no grupo de senadores em que ele defende o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro escondido nas nádegas, foi o primeiro entrave no primeiro turno da disputa. Áudio que foi vazado pelo colega Jorge Kajuru (Cidadania), com quem Vanderlan se indispôs antes mesmo do início da campanha eleitoral.
Gravar um áudio já é um erro. Gravar um áudio com conteúdo tão polêmico é pior ainda. A demora em responder piorou ainda mais a situação. Primeiro, Vanderlan tentou minimizar suas declarações sobre Chico Rodrigues – ele havia dito que conhecida o colega há 30 anos e que não havia nada que o desabonasse. Passados dez dias e diante de um desgaste cristalizado, o candidato do PSD recuou e gravou um vídeo longo onde confessava ter “falado bobagem”. Além de não ter resultado efetivo, o depoimento deu novo fôlego ao tema e legitimou o áudio. O marketing da campanha de Maguito Vilela, claro, deitou e rolou no assunto. Vanderlan ainda foi à Justiça duas vezes para barrar a divulgação do áudio, mas não obteve sucesso.
Por disputar muitas eleições seguidas desde 2010, o senador é visto como eterno candidato. Por essa razão, um repórter do jornal O Popular, o mais tradicional de Goiânia, o questionou em sabatina em vídeo, em 2018, se ele cumpriria o mandato de senador caso fosse eleito. Categórico, ele disse que a entrevista estava sendo gravada e que estava dando a palavra que ficaria os oito anos em Brasília. Ainda condenou quem faz “escadinha” com mandato de senador. O vídeo acabou ressurgindo em meio à campanha e novamente foi bem utilizado pelo marketing do MDB e do PT.
Ataques
Se no primeiro turno a campanha de Vanderlan Cardoso gastou o tempo tentando responder às investidas dos concorrentes, administrando uma hipotética vantagem, no segundo turno, já em desvantagem, o senador foi para o ataque logo no dia seguinte à votação. Até acertou no tema, mas errou na forma estabanada de se comunicar e angariou uma rejeição recorde.
Após ter uma significativa melhora no quadro clínico, a saúde de Maguito Vilela piorou justamente no dia da eleição no primeiro turno, em 15 de novembro. Mesmo sem provas, duvidando da cronologia, Vanderlan denunciou, em entrevista à Rádio Sagres 730, que o ex-governador estava lutando “contra uma bactéria” (desmentida pelos médicos do hospital Albert Einstein) e garantiu que a campanha do emedebista escondia seu real estado de saúde. Segundo ele, havia em curso um “estelionato eleitoral”. E disse tudo isso com um sorriso no rosto, o que pegou muito mal – a entrevista foi transmitida em vídeo pelas redes sociais da emissora.
As declarações de Vanderlan causaram revolta no QG da campanha de Maguito, além de severas críticas de jornalistas e formadores de opinião em geral. O motivo era simples: a campanha do MDB divulgava diariamente, desde 2 de novembro (portanto, 13 dias antes do primeiro turno) os boletins médicos enviados pelo Hospital Albert Einstein. Nada estava sendo escondido. O que existiu foi uma mudança no quadro clínico do paciente – para pior, o que não foi omitido em momento algum.
Mesmo com rejeição subindo diariamente, a campanha de Vanderlan decidiu não mudar o tom. Continuou a duvidar dos boletins e atacar até médicos que cuidam de Maguito em São Paulo. A tática era tentar criar uma desconfiança no eleitor sobre as condições do ex-governador goiano de assumir o Paço Municipal de Goiânia. Houve algum resultado prático? Houve. Mas à custa de um aumento substancial da rejeição.
Em que pese ter conseguido de fato criar alguma instabilidade no eleitor, a rejeição ao tom adotado por Vanderlan transbordou. Na última semana, faltando 72 horas para a eleição, a pesquisa RealTime Big Data apontou que a rejeição dele estava alcançando 50%. Dois meses antes, era de apenas 8%. A rejeição se tornou um problema político de difícil resolução futura.
Marketing
Na estratégia de marketing, comandada pelo jovem Maurício Coelho, a campanha de Vanderlan Cardoso também cometeu erros. O principal deles foi apresentá-lo como continuidade da gestão do prefeito Iris Rezende, que chega ao último mandato de sua trajetória política com avaliação positiva na capital de Goiás. O eleitor não achou crível essa tese, abraçando Maguito para defender o legado da atual gestão. A clivagem das pesquisas comprovou isso: entre iristas, o candidato do MDB tinha muito mais votos que o do PSD. Entre não-iristas, o senador ganhava.
Vanderlan iniciou a campanha em primeiro lugar, mas distante de seus melhores números (revelados em levantamentos internos sobre a sucessão em Goiânia). Era visto pelo eleitor como oposição a Iris, até por tê-lo enfrentado em outras três eleições recentes. Com a gestão mal avaliada em 2017 e no início de 2018, era lembrado como forte alternativa.
À medida em que Iris recuperou o prestígio de sua atual administração na capital, atravessando os momentos difíceis nos primeiros 18 meses de gestão e superando 73% de aprovação (número da última pesquisa Ibope), a força de Vanderlan foi se esvaindo em proporção inversa.
O candidato do PSD só seria forte novamente se o marketing tivesse conseguindo desgastar Iris. Ao tentar vendê-lo como irista, a campanha transformou Vanderlan em um candidato “pirata” e ajudou a promover a comparação com o “original” Maguito, com muita vantagem para seu concorrente. Em resumo: quando falou de Iris, o senador só puxou votos para o prefeito eleito. Segundo Daniel Vilela, de ontem para hoje seu pai recobrou a consciência e se emocionou ao saber por meio de uma médica que havia vencido a eleição.
* Eduardo Horacio, jornalista e sociólogo, é editor do site Poder Goiás.
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