Alexandre S. Triches *
Com o início do governo Bolsonaro, a imprensa noticia que um novo pente fino nos benefícios da Previdência Social ocorrerá nas próximas semanas. As novas regras serão editadas por meio de medida provisória e sucedem projeto anterior que promoveu ampla revisão nos benefícios por incapacidade.
A expectativa da imprensa é bastante verossímil considerando que a equipe do novo presidente já anunciou que a redução de gastos no setor previdenciário é a prioridade para este ano. Por isso é importante que todos os beneficiários do INSS estejam atentos, pois podem ser convocados para demonstrar a regularidade de seu benefício.
A revisão da regularidade dos benefícios previdenciários não deveria gerar maiores alardes. Isso porque é natural e moral que os gastos públicos sejam auditados constantemente, bem como é sabido por todos que existem muitas fraudes na Previdência Social. Acontece que, historicamente, todas as medidas de pente fino na Previdência vêm acompanhadas de falhas que prejudicam muitas pessoas, considerando que o contingente abrangido pelas revisões é expressivo e a estrutura do INSS é precária.
Por isso, o mais importante é compreender que existem regras a serem observadas pelo órgão previdenciário na análise dos casos, e que uma das primeiras é que ninguém pode ter seu benefício cancelado sem prévia notificação do interessado, bem como com a garantia de prazo para apresentar defesa ou comparecer ao INSS.
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Notificar o interessado é convocá-lo formalmente para comparecimento junto ao INSS, garantindo-lhe prazo para defesa. Esse direito não está previsto apenas em lei; está consagrado também na Constituição Federal. Dessa forma, deve ser sempre observado pelo poder público o direito ao devido processo legal. Do contrário, práticas arbitrárias, como convocações por meio de agência bancária, suspensão do benefício até comparecimento na agência do INSS, dentre outras hipóteses, via de regra serão ilegais.
Um segundo aspecto relevante sobre o pente fino é que o segurado esteja com o seu endereço atualizado junto ao INSS. Para que o dever de notificação se concretize, é necessário que o endereço atual do beneficiário esteja cadastrado na Previdência. Considerando que muitos aposentados e pensionistas trocam de endereço e não comunicam ao INSS, o risco da convocação ser expedida – mas não chegar ao destinatário – é grande e, nesses casos, a lei é clara: a convocação devolvida por mudança de endereço não informada ao INSS é considerada convocação realizada. Ou seja, a responsabilidade quanto a regularidade do endereço constante nos cadastros do INSS corre por conta do aposentado e do pensionista.
Um terceiro aspecto importante sobre o provável pente fino é que benefícios cuja análise guarde maior subjetividade terão uma análise mais criteriosa por parte da equipe que revisará as concessões. O que seriam benefícios com maior subjetividade na análise? Aqueles que, apesar de haver um critério objetivo quanto ao direito previsto na lei, demandará a produção de provas, por meio de documentos, análise técnica ou testemunhais. A avaliação quanto a verossimilhança do direito invocado ficará por conta do servidor.
Assim, por exemplo, é o caso dos benefícios rurais, que demandam a apresentação de provas documentais, as quais, necessariamente, precisam convencer um servidor quanto a sua verossimilhança para, então, haver a autorização da oitiva de testemunhas que, após ocorrida, será objeto de homologação por parte do agente público. O grau de discricionariedade desta análise é elevado: assim como as provas convenceram o servidor à época da concessão, podem, agora, apresentar efeito em sentido contrário.
Também é o caso das aposentadorias especiais, as quais demandam a análise de critérios de nocividade e permanência dos agentes químicos, físicos e biológicos, ou associação destes, utilização de equipamentos de proteção individual e coletiva, critérios de mensuração e dosimetria. Aqui deve se estar atento aos critérios utilizados na análise da revisão, principalmente considerando a evolução da disciplina da matéria na lei e na jurisprudência: não poderá haver aplicação retroativa de regra prejudicial ao segurado, tampouco entendimentos afastados pelo Poder Judiciário no momento da concessão. Qualquer medida nesse sentido deve ser invalidade em razão do princípio de que o tempo rege o ato, bem como do respeito aquilo que foi decidido em eventual processo judicial.
Ainda, é o caso das pensões por morte. Não aquelas concedidas para esposas e esposos, com certidão de casamento apresentada, logicamente. Ou, então, filhos até 21 anos, mas, sim, naquelas hipóteses de união estável, dependência econômica dos pais com relação aos filhos ou, também, filhos maiores de 21 anos e inválidos. Vislumbra-se em todos esses casos alto nível de subjetividade nas análises, muitas vezes realizadas por perícias médicas e oitiva de testemunhas, o que deixam um campo em aberto e muito expressivo para reavaliações.
Considerando a notícia de que a medida provisória deve prever um bônus de R$ 57,50 para agentes do INSS que descubram irregularidades em pensões e aposentadorias e que o foco é alcançar uma economia de até R$ 9,3 bilhões em um ano, essas reavaliações podem estar maculadas com irregularidades, considerando que o peso econômico da medida prepondera à análise social.
Sabe-se que já é extremamente difícil para as equipes técnicas da procuradoria federal, bem como de monitoramento operacional de benefícios do INSS localizar fraudes, mesmo com todo o suporte e aparato tecnológico e de pessoal que possuem, imagine-se, então, para um servidor, técnico ou analista, do Seguro Social, acostumado a trabalhar unicamente em agências? Haverá escopo ou condições para efetuar rastreamento e operacionalizar revisões de fraudes em benefícios previdenciários? Se a resposta for negativa e houver, mesmo assim, o constrangimento governamental nesse sentido, certamente haverá notícia de cancelamentos indevidos de benefícios e, nesses casos, prestações que carreguem maior subjetividade serão as mais atingidas.
Por fim, nunca é demais referir que benefícios concedidos irregularmente terão a intencionalidade analisada. No caso de dolo na irregularidade, a prática poderá gerar reflexos criminais. No caso de culpa, ou seja, naquelas hipóteses em que o beneficiário não tinha ciência da falha ou foi induzido em erro, não sofrerá reflexos penais. Todavia, a devolução de valores em ambos os casos é devida.
* Alexandre S. Triches é especialista em Direito Previdenciário e professor.
OAB/RS nº 65.635. http://www.alexandretriches.com.br
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