Marcelo Ramos *
Os anos de 2020 e 2021 foram especialmente desafiadores para o setor de aviação no Brasil, em decorrência da pandemia de covid-19. A queda brusca do número de passageiros, combinada com a necessidade de manter uma malha aérea mínima, além da alta dos juros e do dólar, geraram um prejuízo acumulado no período de 35 bilhões de reais.
A retomada da demanda é crescente desde 2021 e em maio do ano passado a demanda e a oferta superaram os números pré-pandemia nos voos domésticos, superando também em outubro esses indicadores em voos internacionais.
A despeito da retomada, as companhias áreas ainda passam por extremas dificuldades. Latam passou por recuperação judicial junto ao Tribunal de Falências dos Estados Unidos na modalidade Chapter 11, o mesmo processo que a Gol solicitou neste ano, e a Azul precisou renegociar os contratos de leasing das suas aeronaves.
Há ainda uma profunda crise de imagem que contamina o ambiente político onde se dão as decisões regulatórias e tributárias e uma imagem do preço das passagens que chega distorcida ao consumidor.
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Nesse cenário, a reforma tributária gerou uma expectativa no setor de que a aviação comercial, tão essencial em um país de dimensões continentais como o nosso, teria um tratamento diferenciado, tirando um pouco o peso da carga tributária que, em última instância, é suportada pelo passageiro-consumidor.
Aconteceu exatamente o contrário, na Emenda Constitucional n. 132/2023: o transporte aéreo perdeu todos os benefícios que tinha e foi o único segmento do transporte coletivo a ficar de fora do regime específico de tributação, previsto no Parágrafo 6º do artigo 156-A da Constituição Federal, aqui transcrito:
Artigo 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
Parágrafo 6º. Lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para:
VI – serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário, podendo prever hipóteses de alterações nas alíquotas e nas regras de creditamento, admitida a não aplicação do disposto no Parágrafo 1º., V a VIII.
Não existe sentido razoável para a exclusão do regime específico de tributação de um modal que transportou 112 milhões de passageiros em 2023 e que é o principal responsável pela integração nacional.
O certo é que o debate sobre aviação comercial no Brasil sempre esteve contaminado pela desinformação e pela demagogia. A desinformação alimenta uma falsa ideia em relação ao preço médio das passagens e, nesse ambiente, setores da política descambam para a demagogia porque faz bem atacar as companhias aéreas, mesmo sem refletir sobre a real política de preço e sobre o ambiente fiscal e regulatório do setor.
A realidade é que, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e seus dados mais recentes, 52% das tarifas vendidas custaram menos de R$ 500,00 e apenas 7% custaram mais que R$ 1.500,00, com tarifa real média de R$ 629,51 (dados de janeiro a outubro de 2023).
Se analisarmos os dados comparativos veremos que antes da liberdade tarifária (2002) tínhamos 2,6% das tarifas vendidas em valores até R$ 500,00 e 32,8% acima de R$ 1.500,00, com tarifa média de R$ 953,54.
Provavelmente, muitos dos que leem agora duvidam da informação – eu também duvidei. O fato é que os setores que formam opinião nesse tema (políticos, empresários e imprensa) estão entre os 8,5% que pagam passagens mais caras porque viajam com mais frequência e com menos planejamento, comprando passagens mais próximas dos voos e, consequentemente, mais caras.
O brasileiro médio faz viagens planejadas e paga mais barato. São os 57%.
As três principais companhias aéreas brasileiras (Azul, Gol e Latam) atravessam esta crise e já viveram momentos muito delicados na pandemia e no primeiro semestre de 2023. A quebra de uma delas, a exemplo do que já aconteceu com Transbrasil, Varig, Vasp e Avianca, traria seríssimas consequências para o mercado, para os trabalhadores, para os passageiros e para a imagem do país.
Para que o desejo do governo dê certo, de baratear os custos das passagens e criar programas para nichos, como idosos e estudantes, é preciso sentar à mesa para formular soluções tributárias, regulatórias, creditícias e comerciais.
A simples pressão política por redução dos preços não é um caminho sustentável e pode trazer consequências graves para o setor.
* Marcelo Ramos é advogado, consultor e foi deputado federal, vice-presidente e presidente, em exercício, da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional no biênio 2021-2022.
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