O Congresso Nacional – composto pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal – é órgão colegiado por definição. A atividade da representação, no Brasil e em todo o mundo democrático, repousa sobre grupos, os quais teoricamente devem espelhar características e interesses da sociedade. Grupos grandes, com dezenas e centenas de membros, contudo, precisam de ordem e comando para que consigam produzir decisões. Assim há uma tensão permanente entre a colegialidade e o comando centralizado.
Uma assembleia que fosse muito descentralizada poderia funcionar com um rodízio frequente de membros em funções de comando, e sobretudo ter um órgão colegiado o mais amplo possível para administrar a agenda, a crucial tarefa de definir o que se vota e o que fica para depois. Ao contrário, uma assembleia totalmente centralizada colocaria todos os poderes de agenda nas mãos de um único indivíduo.
O Congresso Nacional sempre apresentou um grau relevante de centralização. No Plenário a pauta é historicamente decidida pelo presidente das casas em conjunto com líderes partidários, e nas comissões apenas os presidentes, como regra, controlam a agenda.
Acontece que de 2015 para cá, o nível de centralização acentuou-se sobremaneira. Fatores como o enfraquecimento partidário, a pandemia, a expansão do uso das emendas de relator ao Orçamento (que ficaram conhecidas como orçamento secreto), contribuíram para essa agudização. Pior, tornaram-se regra ordinária os ritos excepcionais.
A centralização vista concentrou nos presidentes das casas a definição da pauta, ouvindo um grupo cada vez mais seleto de parlamentares influentes, e tornou a tramitação sob regime de urgência a regra. Na prática o que tem acontecido é que os projetos entram na pauta do Plenário sem aviso prévio a grande parte dos atores importantes da sociedade. Perde-se a preparação técnica e política das comissões, pois os projetos ignoram essa fase de tramitação. A sociedade não sabe que projetos têm mais chance de serem votados e não pode atuar de forma eficiente na manifestação de seus interesses e visões sobre as proposições.
Quem compulsar os arquivos da Câmara verá que atualmente projetos com tramitação cada vez mais curta entram na pauta e são deliberados. Esse tipo de arranjo agrada aos que controlam o processo, pois encontram pouca oposição e podem formatar as políticas ao seu gosto. Contudo, a sociedade perde sua capacidade de representação, seja por meio dos parlamentares que acompanham cada causa ou diretamente como ações de movimentos sociais, associações, etc.
A desestruturação partidária dos últimos anos, a pandemia que exigiu ações céleres e criou as sessões deliberativas à distância e também o orçamento secreto que canalizou compensações laterais àqueles que colaborassem com uma pauta cada vez mais alheia à sua participação pavimentaram o quadro que temos atualmente.
É necessária uma reforma institucional do Legislativo que garanta tramitações mais longas e transparentes aos projetos, e assim torne a representação mais consistente, seja por meio de parlamentares variados atuando sobre as proposições, seja pela ação direta da sociedade. A democracia ganhará muito com isso.
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