Em texto datado de 1o de abril de 2022, sustentei que a sociedade brasileira deve banir (usei a conhecida frase “nunca mais”): a censura, a ditadura, a tortura e o presidente Bolsonaro.
Afirmei, com veemência, que a prática da tortura é uma daquelas mais evidentes fronteiras civilizatórias. Afinal, provocar, em alguém indefeso ou sem possibilidade de reação, intenso sofrimento físico ou mental caracteriza a suprema covardia e uma das mais sórdidas afrontas à dignidade da pessoa humana. Disse, com todas as letras, que o torturador encarna a ausência de sentimentos humanos fundamentais como a empatia, a compaixão e o amor.
Destaquei algumas das falas, mais recentes e mais antigas, em que o atual presidente da República, o senhor Bolsonaro, faz apologia à tortura e homenagens aos torturadores, especialmente em relação ao ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Ocorre que a barbárie bolsonarista mostrou uma nova face marcada pela mais pura perversidade. Numa espécie de competição com o pai, o deputado Eduardo Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais revoltantes da cena política brasileira. O registro consta no site da Folha de S. Paulo:“O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ironizou a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo, durante a ditadura militar.
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No Twitter, o parlamentar compartilhou uma imagem da última coluna dela no veículo e escreveu ‘ainda com pena da [emoji de cobra]’.
Míriam foi presa e torturada enquanto estava grávida por agentes do governo durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Em uma das sessões de tortura, ela foi deixada nua numa sala escura com uma cobra”.
O senhor Eduardo Bolsonaro, na desumana trilha já aberta pelo pai, o senhor Jair Bolsonaro, resolveu debochar publicamente de Miriam Leitão em função da conhecida jornalista ter sido uma das vítimas da tortura realizada nos porões da ditadura militar brasileira.
A cruel referência realizada pelo repulsivo parlamentar equivale a uma inusitada realização, agora pública, de uma nova sessão de tortura. Diante da impossibilidade de renovar os atos macabros, o senhor Eduardo Bolsonaro debocha da vítima, da torturada. Salienta a forma torpe da tortura a que foi submetida uma mulher grávida. Assim, submete a jornalista (mais uma vez), as mulheres e toda a sociedade ao repugnante universo da tortura.
Não há como tergiversar ou dourar a pílula. A família Bolsonaro dá mostras diárias e contundentes de carregar o DNA da barbárie, do desprezo mais vil pela essencial e inafastável dignidade da pessoa humana. A presença desses senhores no universo da política brasileira é um permanente convite a mais aberta forma de degenerescência moral. Falas como a destacada demonstram, de forma inequívoca, o tamanho da insensibilidade a que pode chegar um exemplar da espécie humana. O caminho evolutivo a ser percorrido por um espírito desse jaez parece muito longo e penoso.
A escala de valores desses “homens de bem” está recheada de toda sorte de deturpações, vilanias e discriminações. Se esses senhores não demonstram empatia com o sofrimento humano decorrente da tortura, como imaginar alguma sensibilidade em relação a toda sorte de sofrimentos. Por que demonstrariam alguma preocupação, mesmo política, com o sofrimento decorrente da falta de emprego, da falta de comida, do preconceito racial ou de gênero?
Vários parlamentares e setores da sociedade civil manifestaram profunda repulsa pelas falas do senhor Eduardo Bolsonaro. Consta que algumas representações já foram apresentadas perante o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Diante da ampla repercussão do caso, o deputado Eduardo Bolsonaro fez novas afirmações absurdas relacionadas com uma suposta necessidade de provas da sessão de tortura. “A Miriam Leitão certamente não se sentiu ofendida, ela só tem a palavra dela, dizendo que foi vítima de uma tortura psicológica quando foi jogada dentro de uma cela junto com uma cobra. Eu já fico com a pulga atrás da orelha, porque você não tem um vídeo, não tem outras testemunhas, não tem uma prova documental, não tem absolutamente nada”.
O circo de horrores apresentado pela família Bolsonaro parece não ter fim ou limites. Depois de comemorar publicamente o sofrimento alheio, o que parte da premissa de que ele existiu, utiliza covardemente como argumento defensivo a arguição da ausência de provas da sessão de tortura. O bisonho parlamentar exige testemunha, vídeo ou alguma demonstração documental dos atos violentos realizados.
Cheguei a ouvir um questionamento importante. Quem é o pior doente (em termos de convívio social, até porque os males psicológicos devem ser avaliados pelos especialistas)? O pior doente social é o torturador ou aquele que faz apologia à tortura, homenageia os torturadores e debocha dos torturados? Prefiro não estabelecer escalas de monstruosidade e colocar todos esses senhores no mesmo balaio do que há de pior no gênero humano. Aliás, se isso tudo é o bem (como os Bolsonaros afirmam encarnar), o que seria o mal? Não custa lembrar Marco Aurélio, um dos mais conhecidos imperadores romanos, em suas Meditações, quando afirmou: “Não apenas deixar de fazer o mal como nem sequer pensar nele”.
É preciso, ainda, fazer um alerta muito relevante. Se vale torturar, se vale fazer apologia à tortura, se vale homenagear torturadores, se vale debochar de torturados, o que não vale no convívio humano em sociedade para essa turma que governa o Brasil? E governa com o apoio de muita gente que se afirma espiritualizada e comparece de corpo (não de alma) todo final de semana à missa ou ao culto em reverência ao maior dos presos políticos barbaramente torturado, Jesus Cristo.
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