Os conselhos tutelares, conforme o art. 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Lei n. 8.069/1990, são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Os conselheiros são considerados ora como agentes políticos ora como agentes honoríficos, ora como particulares em colaboração com o Estado, mas nunca como servidores públicos em sentido estrito ou mesmo como empregados. Nesse sentido é o magistério de Luiz Alberto Thompson Flores Lenz.
A constatação de que os conselheiros tutelares são eleitos já os desvincula tanto do regime estatutário quanto do celetista, não apenas por serem levados ao cargo por escrutínio público, atualmente realizado nacionalmente, como, ainda, por serem detentores de mandato, o que indica a transitoriedade na ocupação do cargo. Essa peculiaridade os aproxima, por sua autonomia, da figura de agente político, mormente pelos poderes que lhe são concedidos pelo ECA no rol de seu art. 136, e pelo fato de que suas decisões são administrativamente soberanas, apenas podendo ser revistas por decisão judicial, consoante o art. 137 do mesmo estatuto.
Os Conselhos Tutelares, e, diretamente, os conselheiros, dispõem, assim, de grandes poderes para a defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Em linhas gerais, o art. 131 do ECA é claro ao estabelecer que cabe ao conselho tutelar “zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.”
E da lista de suas atribuições contida no art. 136, encontra-se no inciso I a do art. 98, que é a de aplicar as medidas de proteção à criança e ao adolescente “sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados” quer seja pelos pais, responsáveis, sociedade ou Estado. Tal competência foi ratificada, inclusive, pela Resolução n. 139 de 2010 do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA, em seu art. 24, ao estabelecer que suas atribuições são exclusivamente as do art. 136, “ não podendo ser criadas novas atribuições por ato de quaisquer outras autoridades do Poder Judiciário, Ministério Público, do Poder Legislativo” ou dos executivos municipal, estadual ou distrital.
Ao se estabelecer nos arts. 131 e 136 do ECA que o conselho tutelar deve zelar pelo cumprimento e proteção dos direitos de crianças e adolescentes previstos no próprio ECA, e sendo o inc. I do art. 136 uma cláusula aberta, o que o legislador fez foi entregar aos conselhos a tutela plena da criança e do adolescente, inclusive nos casos de trabalho infantil, que são previstos no Capítulo V do Estatuto, em seus arts. 60 a 69.
O art. 60 consigna a regra de que “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.”, ao passo que o art. 61 contém uma regra de ampliação do escopo protetivo do adolescente, ao estabelecer que “A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.”
A legislação especial referida é a Consolidação das Leis do Trabalho e o Decreto n. 6.481/2008, que regulamenta a Convenção n. 182 da Organização Internacional do Trabalho e proíbe o trabalho de menor de dezoito anos nas atividades listadas em seu art. 2o e no anexo ao decreto, bem como às piores formas de trabalho infantil, previstas no art. 4o, que, conforme a referida Convenção, compreendem:
I – todas as formas de escravidão ou práticas análogas, tais como venda ou tráfico, cativeiro ou sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou obrigatório;
II – a utilização, demanda, oferta, tráfico ou aliciamento para fins de exploração sexual comercial, produção de pornografia ou atuações pornográficas;
III – a utilização, recrutamento e oferta de adolescente para outras atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas; e
IV – o recrutamento forçado ou compulsório de adolescente para ser utilizado em conflitos armados.
Ademais, o art. 67 do ECA repete as regras da CLT ao vedar seu trabalho nas atividades listadas, que são as de trabalho noturno; perigoso, insalubre ou penoso; realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; e realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
A Resolução n. 170/2014 da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que trata da constituição e funcionamento dos Conselhos Tutelares, ainda comina aos conselhos, em seu art. 32, a observância das normas e princípios contidos no ECA e na “Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990”. Esta norma internacional contém em seu art. 32 as disposições sobre a proteção da criança e do adolescente no exercício de trabalho, reconhecendo em seu n. 1 “o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir com a sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.”
Como se observa, os arts. 98, 101, 131 e 136 tratam da proteção genérica de crianças e adolescentes e os arts. 60 a 69 da específica em relação ao trabalho. E a competência dos Conselhos Tutelares, e, por conseguinte, dos conselheiros, é a de aplicar as medidas de proteção à criança e ao adolescente sempre que os direitos reconhecidos no ECA forem ameaçados ou violados, vide o inc. I do art. 136.
Logo, há uma competência e um dever do Conselho Tutelar de proteger as crianças e adolescentes em situação de trabalho.
O Ministério Público do Trabalho, inclusive, editou cartilha sobre o tema, que é a “Trabalho Infantil – Manual de Atuação do Conselho Tutelar”, de autoria do Procurador do Trabalho Jefferson Maciel Rodrigues, que já foi entregue a milhares de conselheiros tutelares de todo o Brasil e está disponível integralmente em versão eletrônica.
Também foram realizadas diversas edições da capacitação à distância em curso ministrado pela Escola Superior do Ministério Público da União sobre esse tema, que é “O Conselho Tutelar no combate ao trabalho infantil”, com a oferta de duzentas vagas gratuitas em cada edição.
Assim, há tanto uma clara competência quanto um evidente dever dos Conselhos Tutelares para a adoção das medidas de proteção de crianças e adolescentes, contida no ECA e na Resolução n. 170/2014 da Secretaria Especial de Direitos Humanos no que tange à erradicação do trabalho infantil conforme as regras do próprio ECA, da CLT e da Convenção n. 132 da OIT.
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