Dezembro chegou num ano atípico, pleno de pandemia e de restrições de afagos familiares. Neste dezembro me aproprio das lembranças de outros Natais e de tempos idos e vividos. Nesta quarentena que se nos impõe, a música nos reporta a vários momentos. Dudu Nobre ao cavaquinho, cantando “No tempo que Dondon jogava no Andaraí”, me transporta a antigos Natais da família, em casa de Dondon e Santinha, primos de minha mãe, onde todos se reuniam. Lembro como eu e minha mãe embrulhávamos cerca de noventa e quatro presentes todos os anos.
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Mamãe, Léa de Araújo Theodoro, tinha três irmãs, um irmão e muitos primos, todos moradores da Tijuca, que sempre foi o território de uma família festeira que amava ficar junta. Grande parte de homens e mulheres trabalhava na Fábrica de Cigarros Souza Cruz e tinha uma atuação sindicalista grande. Outro grupo era de funcionários públicos concursados, onde se enquadram papai e mamãe. Alguns trabalhavam no jornal O Globo como linotipistas e outros numa fábrica de bebidas. Tia Zédia, primas e irmãs criaram um instituto de beleza, o Zédia Embelezamentos, em plena Praça Saens Pena. Os demais eram ritmistas e compositores do Acadêmicos do Salgueiro e da União da Ilha do Governador. Assim vivi com uma família negra, urbana, politizada, frequentadora dos almoços dançantes do Clube Municipal, com um estilo muito próprio e negro de ser.
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Na casa de Tia Alice, na rua Dona Maria 33, morava com ela Santinha e Dondon, nosso querido Antônio de Paula Filho, que foi zagueiro no Andaraí Atlético Clube, clube carioca extinto em 1970. Dondon era considerado um dos maiores jogadores do Clube. Sendo um exímio dançarino, além de bom de bola. O primo Dauro Ribeiro, irmão de Santinha, compositor do Acadêmicos do Salgueiro, vivia com eles. A casa tinha um quintal grande e nele se reunia a família, ritmistas, compositores do Salgueiro e vizinhos ilustres como Lygia Santos filha do compositor Donga. Neste quintal muitos sabores e saberes me foram passados. Nele, Dondon estimulava as crianças da família a dançar e cantar com o samba levado por Dauro e os amigos. Geraldo Babão, Anescarzinho e muitos outros que sempre apareciam. Dondon promovia concurso de dança entre as crianças e estimulava a criação de versos mexendo com os membros da família.
Na cozinha, a prima Andrelina esposa do Paulo, outro irmão de Dauro, mostrava suas habilidades culinárias, com salgadinhos deliciosos, bolos, assados. Santinha comandava a festa sempre regada a muita cerveja, guaraná, carinho e alegria.
Dondon era o grande animador das festas. Muito elegante e empertigado dançava o miudinho como ninguém, além de riscar o salão com Santinha e as mocinhas da família, fazendo com que nos transformássemos em plumas alçadas ao vento em seus volteios e rodopios. Eu sempre esperava ansiosa o encontro com os primos, nos aniversários, mas, principalmente no Natal onde até o Tio Sucinha, irmão mais velho da Santinha, vinha lá da Ilha do Governador, onde morava numa bela casa na Praia da Bica, que também visitávamos nos aniversários de seus filhos.
Aliás ir à Ilha do Governador era uma aventura fascinante. Lá o pagode também estava sempre presente. Além do mar, da areia, do sentido de amplitude e liberdade. Tinha música boa, fruto da união dos compositores do Salgueiro com os da União da Ilha do Governador. Um domingo na Praia da Bica era um presente dos deuses, regado ainda com a comidinha deliciosa de Tia Conceição, mãe dos primos Luiz Claudio Barbicha e Sueli.
Meus tios Waldir, Dondon, Francisco e os primos Dauro, Luiz Claúdio e Nelsinho garantiam a alegria dos encontros. Tinha sempre alguém de fora que se incorporava ao grupo, aumentando e enriquecendo a todos nós, formando a grande família extensiva africana. Meu universo se inundava de cores, sons, cheiros e muita alegria. Gente precisa de gente para crescer e aprender.
Eu, filha única, e meu primo Nelsinho, também filho único de minha tia Dulce, aprendemos a ser irmãos e a trocar com o restante da família nossos sonhos, brinquedos e amizades. Como foram intensos os nossos encontros familiares. Nossa vivência foi tão importante que, já adultos, casados e com filhos, mantivemos nossos encontros natalinos, buscando reunir a todos em minha casa de praia em Maricá.Como foram marcantes esses Natais. Com eles acumulei alegria e força que me deram um orgulho profundo de pertencer a esta tradição cultural. Meu pai, o velho Juranda, dizia que mamãe, suas irmãs e primas formavam uma verdadeira máfia de mulheres. Estavam sempre juntas, estimulando as crianças da família, apoiando os homens, sempre prontas a receber os amigos, cantando, dançando e cuidando de todos.
A Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro teve um papel muito importante para nós, pois era extensão da família. Santinha comandava o grupo de mulheres que ajudavam a fazer fantasias, frequentavam a quadra, além de assistir aos desfiles na Rio Branco. Algumas primas saiam como passistas, outras em alas e até como baianas.
Os homens tocavam, compunham, saiam na Ala dos Lordes. Dauro compunha sambas de terreiro e sambas de enredo. Lembro que no Natal de 1975, eu já casada e com filho, ajudei minha mãe a organizar presentes e assados para comemorar a vitória do samba enredo Segredo das minas do rei Salomão, feito por Dauro Ribeiro em parceria com Nininha, Zé Pinto e Mário, que se tornou um grande sucesso no desfile da escola.
Muitas são as lembranças e a saudade de um tempo mais bonito de viver, pois tinha menos miserê e menos tititi. Era no tempo de Dondon, que nos alegrou e iluminou até 1993, mas que continua nos embalando e inspirando. Ele me dá a certeza de que tudo vai passar e melhores Natais virão.
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