Dizem que o ano, no Brasil, só começa após o Carnaval. Fora o exagero da caricatura, há uma verdade sobre uma certa trégua no debate público. Mas, neste período, as instituições não descansaram e desenvolveram diversas ações para elucidar os fatos relacionados ao triste 8 de janeiro de 2023.
Tudo indica que importantes setores políticos, sociais, militares e empresariais se envolveram numa trama para interromper o processo democrático brasileiro e revogar nossa Constituição. Toda esta investigação tem que ser conduzida com rigor, serenidade e equilíbrio, assegurando a todos a presunção da inocência e o amplo direito de defesa.
Se há uma ideia vitoriosa no início do século 21 é a da democracia como valor universal e permanente. Como expressou Alexis de Tocqueville: “Nada é mais maravilhoso que a arte de ser livre, mas nada é mais difícil de aprender a usar do que a liberdade”. Liberdade e democracia são palavras gêmeas, mas não se confundem. Liberdade tem uma dimensão mais individual, democracia, mais coletiva. Não existe democracia sem liberdade, mas também não existe liberdade sem democracia. Até onde vai a minha liberdade e aonde começa a do outro? Como arbitrar conflitos e contradições? O economista liberal Hayek afirmava que “Liberdade e responsabilidade são inseparáveis”. Não é trivial e fácil. Melhor o conceito intuitivo de nossa Cecília Meireles no seu Romanceiro da Inconfidência, longe das formalizações teóricas: “Liberdade essa palavra, que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”.
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É impossível na vida em sociedade a liberdade completa e absoluta. Há limites e responsabilidades. A democracia é a tradução institucional aproximada da ideia de liberdade. A singela e clássica definição de Abraham Lincoln deveria encontrar fácil concretização na realidade: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas o termo “povo” é uma abstração. Na sociedade moderna seria impensável uma democracia direta. O que faz emergir a pergunta central: quem fala e age em nome do povo?
Hoje, no Brasil e no mundo, há um razoável consenso em favor da democracia. Conservadores, liberais, democratas-cristãos, socialdemocratas, verdes, socialistas democráticos convergem na defesa da democracia e da liberdade como caminho de convivência e definição do futuro. Apenas setores radicalizados sonham com ditaduras reacionárias de direita ou esquerda.
Nesse início de 2024, no Brasil, talvez este seja o principal desafio: fortalecer e consolidar ainda mais nossa democracia. Pela experiência histórica e reflexão teórica acumulada são inarredáveis: eleições periódicas, livres e diretas; voto universal; alternância no poder; liberdade de organização, pensamento, opinião, expressão, de ir e vir, sindical, de imprensa; liberdades individuais garantidas; Constituição e leis com regras que regulem o jogo democrático e protejam o direito das minorias e dos indivíduos contra os impulsos coercitivos do Estado; reconhecimento mútuo da legitimidade dos diversos atores na cena política, contenção no uso do poder.
Mesmo com todas as qualidades aparentemente óbvias da democracia, desafia o pensamento o fato de a maioria do povo americano parecer disposta a votar em Trump? É preciso decifrar as fragilidades da democracia contemporânea.
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