O senhor Luiz Inácio Lula da Silva liderou, em 2022, uma frente político-eleitoral de amplo espectro. Setores da esquerda mais radical (palavra usada em sua conotação mais positiva) até a direita liberal (quem foi o candidato a vice?) convergiram em torno da candidatura de Lula à Presidência da República.
A formação da chamada “frente ampla” em favor de Lula não teve como fator principal as qualidades e encantos desse último. O principal ativo político-eleitoral do senhor Luiz Inácio não estava nele, estava no adversário. Lula era a personalidade política capaz de derrotar a barbárie, o autoritarismo e o elitismo. Tudo isso representado na abjeta figura do senhor Jair Bolsonaro.
Assim, é possível afirmar, sem medo de errar, que a defesa da democracia foi o maior trunfo político-eleitoral de Lula. Não havia, nem há, a compreensão de que a democracia por si só resolveria os grandes problemas nacionais, notadamente aqueles com profundas raízes socioeconômicas (fome, desigualdade social, desemprego, discriminações, opressões e tantos outros). Entretanto, existia, e ainda existe, um razoável consenso no sentido de que o regime democrático é o único ambiente aceitável para o exercício da política, do jogo de pressões e para a formulação de políticas estatais com o objetivo de superar as mazelas mencionadas.
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Quando Luiz Inácio, na condição de presidente da República Federativa do Brasil, faz a defesa do senhor Maduro e da situação política da Venezuela mostra uma grave incompreensão acerca do regime democrático, das liberdades fundamentais e dos direitos humanos mais elementares. Por várias razões, essa dificuldade lulista não me surpreende.
A ausência de democracia na Venezuela (e não apenas na Venezuela) é um dado objetivo. Os fatos são reconhecidos e apontados por inúmeros governos, organismos internacionais, veículos de imprensa e forças políticas de direita e de esquerda. As falas dos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, não poderiam ser mais emblemáticas dessa última consideração. A afirmação do mandatário chileno foi clara e contundente: “Discordo do que Lula disse ontem, de que a situação de direitos humanos na Venezuela é uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa, é uma realidade” (fonte: metropoles.com).
Um bom começo para as lições de democracia a serem aprendidas (ou reaprendidas) pelo presidente da República Federativa do Brasil consiste na leitura atenta da Constituição de 1988, em particular o artigo quarto, que trata das relações internacionais do Estado brasileiro.
Segundo esse dispositivo constitucional, o Brasil, em regra, deve manter relações diplomáticas com os vários países integrantes da sociedade internacional. Afinal, o inciso IX desse preceito indica que o Brasil deve participar da “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”. Esse princípio rejeita exclusões, salvo raríssimas exceções, até porque os incisos I, III e IV do artigo citado afirmam o império da “independência nacional”, “autodeterminação dos povos” e “não-intervenção”, respectivamente.
Assim, o Brasil, no âmbito internacional, deve manter relações diplomáticas, políticas, econômicas e culturais com a Venezuela, Estados Unidos da América, Cuba, Arábia Saudita, Rússia, Ucrânia, China, Hungria, Camarões, Coreia do Norte, Nicarágua, Bielorrússia, Irã, Turquia e tantos outros países. Temos muito a ganhar, muito a aprender e muito a ensinar nos vários processos de aproximação com essas e outras nações.
A manutenção de relações diplomáticas não significa a necessidade de elogiar e concordar com o que se passa nos limites das fronteiras dos países ao redor do mundo. O citado artigo quarto da Constituição também impõe ao governo brasileiro, nas relações internacionais, a defesa da “prevalência dos direitos humanos”, “da paz”, da “solução pacífica dos conflitos” e do “repúdio ao terrorismo e ao racismo” (incisos II, VI, VII e VIII). A postura exigida do governante brasileiro, notadamente o chefe de Estado, é a recriminação de regimes políticos contrários aos postulados aludidos. Dependendo do caso e das circunstâncias, o Estado brasileiro pode e deve adotar providências restritivas mais severas.
Portanto, não é difícil identificar uma profunda e preocupante deficiência de compreensão do atual presidente da República acerca da indispensabilidade do regime democrático nas relações humanas e sobre o inestimável valor desse regime na garantia dos direitos humanos fundamentais e liberdades públicas conquistadas com muito sangue, suor e lágrimas ao longo da história da humanidade.
O regime democrático não se estabelece em um jogo ou confronto de narrativas. O regime dos direitos humanos e liberdades fundamentais é uma realidade concreta e experienciada nas relações políticas estabelecidas. Deve ser celebrado e fortalecido quando presente ou em ascensão. Deve gerar condenação e repúdio quando ausente ou em declínio.
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