O título está na interrogativa. Levantamento de Guilherme Hirata, pesquisador da consultoria IDados, apresenta dados interessantes para discutir o tema. Vamos a eles. Em 2019, havia 8,6 milhões de alunos matriculados no ensino superior. Isso é muito ou pouco?
Uma forma de buscar a resposta se encontra na demografia: atualmente há cerca de 3 milhões de jovens em idade de ingresso à universidade. Se considerarmos que as vagas estão distribuídas para, em média, quatro anos letivos, e se todos os alunos completassem o curso no tempo previsto, haveria 2,1 milhão de vagas no 1º ano das faculdades, ou seja, quase uma vaga por jovem de 17 anos. Se considerarmos o número de ingressantes em 2019, teremos uma visão ainda mais apropriada: foram 3,15 milhões de ingressantes, mais do que o total de uma coorte. Nessa perspectiva demográfica e de alocação de recursos entre gerações, haveria excesso de vagas.
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Observemos por outro ângulo, mas com a mesma perspectiva: concluintes do ensino médio vs. vagas oferecidas no ensino superior. São menos de 2 milhões por ano. Ou seja, em tese há uma vaga na universidade para cada concluinte.
Um terceiro ângulo, ainda na mesma perspectiva demográfica: o nível de preparo. Se, por exemplo, considerarmos como mínimo adequado para ingresso no ensino superior que os concluintes do ensino médio atingissem pelo menos 600 pontos no ENEM, com base nos dados de 2019, apenas 229 mil alunos concluintes do ensino médio naquele ano obtiveram essa pontuação. Nesse caso, teríamos 13,7 vagas por aluno minimamente habilitado a cursar uma faculdade com sucesso. Apenas como lembrete: nas universidades federais, poucos cursos matriculam alunos com menos de 700 pontos no ENEM. Os cursos menos competitivos na área de economia, por exemplo, tipicamente exigem esse mínimo.
Examinemos o problema sob a perspectiva da eficiência: número de concluintes. Em 2019, concluíram o ensino superior cerca de 1,25 milhões de jovens. Nos quatro anos anteriores, o total de alunos matriculados era próximo de 8 milhões. Se todos os alunos concluíssem o curso em quatro anos, a taxa de conclusão seria de 2 milhões por ano – por esse critério a ineficiência seria superior a 50%. Se compararmos com o tamanho da coorte de jovens de 21 anos – cerca de 3 milhões – temos uma relação de 41,65%. Ou seja: se os concluintes do ensino superior estivessem na idade certa, o país teria uma taxa de conclusão superior a 40% de uma coorte, índice significativamente superior ao de qualquer país desenvolvido. É verdade que a Coreia foi uma exceção, mas há vários anos que aquele país já reviu suas políticas de ensino superior.
Ainda sob a perspectiva da eficiência: se a maioria dos cursos dura quatro anos e se a cada ano se formam 1,25 milhão de alunos, a matrícula total deveria ser de 5 milhões – e não de 8,6 milhões. Esse “resíduo” de 3,6 milhões se refere a alunos que levam mais tempo do que o esperado para se formar e, consequentemente, para ingressar no mercado de trabalho. Isso significa que seus cursos são mais caros para o indivíduo e para a sociedade, e, em tese, o tempo para ingresso no mercado de trabalho é mais longo do que seria de se esperar. Aqui cabe um reparo: muitos alunos de cursos superiores estudam e trabalham, mas não existem estatísticas confiáveis sobre isso. Em outras palavras, uma das marcas registradas do ensino superior no Brasil é a ineficiência – o longo tempo que os indivíduos levam para concluir o curso. Aqui não estão incluídos os desistentes, que são mais de 50% dos que ingressam. Mas esta é outra história.
Há pelo menos uma outra perspectiva para avaliar o tamanho da oferta: a demanda do mercado de trabalho. O mercado de trabalho tem condições de absorver 1,25 de graduados a cada ano? Tem condições de oferecer a eles ocupações e salários compatíveis com o seu nível de formação?
A resposta aqui é bem mais complexa. Fiquemos apenas com os dados do mercado formal. De acordo com a PNAD Contínua, no 3º trimestre de 2021, havia cerca de 47,5 milhões brasileiros atuando no mercado formal, dos quais 14,2 milhões (cerca de 30 %) possuem curso superior completo. E desse total, 5,5 milhões (39%) encontram-se em posições que poderiam ser ocupadas por egressos de ensino médio.
Se considerarmos que a economia formal tem capacidade de empregar pouco menos de 9 milhões de profissionais com ensino superior, a cada ano o Brasil poderia repor quase 15% da mão de obra – uma taxa de reposição obviamente absurda e desproporcional. Claro que nossa economia é frágil, superprotegida, pouco competitiva e com baixo nível de inovação tecnológica. Mas é a que temos.
A análise pode parecer simplista, pois todos sabemos que o mercado clama por profissionais qualificados. Qualquer empregador sabe disso – ou pelo menos diz isso por força do hábito. Analisar o perfil dos concluintes ajuda a entender melhor o descompasso entre a educação superior e mercado de trabalho.
Do total de 1,25 milhão de graduados em 2019, 40% se formaram em cursos de ciências sociais, administração e direito. Cerca de 254 mil (20%) se formaram em cursos de pedagogia ou magistério. Ou seja: 60% dos formandos se concentram em duas áreas, e desses, apenas os formandos em administração parecem ter mais chances no mercado de trabalho.
O caso dos profissionais da educação é interessante: a cada ano são absorvidos em média 30 a 50 mil professores, mas formamos cinco vezes mais do que as redes de ensino podem absorver. Torna-se óbvio o descompasso entre as expectativas das pessoas e a realidade do mercado de trabalho.
Os dados aqui discutidos apontam para a existência de inúmeras distorções – especialmente de expectativas e de eficiência. Mas convém examinar interpretações alternativas. Vamos voltar a esse assunto no próximo artigo.
Fonte: Sinopse do Censo da Educação Superior/Inep. Elaboração: IDados.
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